Aventuras Maternas

Crianças também são seres pensantes

criança“Lugar de criança é brincando”. “Meninos e meninas que pensam demais na forma como o mundo evolui são mini adultos”. “Esse menino fala como gente grande”. “Crianças não têm capacidade de saber o que querem ser no futuro”. Leia com atenção essas frases! Eu penso assim, você pensa assim. Todos pensamos assim. Uns mais outros menos, mas pensamos.

Mas leia de novo. Parece preconceito, não parece? Li de novo e na verdade descobri que é preconceito sim. A primeira frase me lembra inclusive uma frase que tenho aversão: “Lugar de mulher é na cozinha!”

Claro que o comparativo não é de todo coerente, porque criança precisa mesmo brincar, desenvolver seu lado lúdico, aproveitar a magia de não ter obrigações com o trabalho, com a manutenção do bem estar da família, mas afirmar que brincar é a única coisa que uma criança deve saber soa como simplista e excludente demais.

Comecei a me questionar sobre isso observando a forte vocação transformadora que meu filho trouxe consigo. Ele se preocupa com os animais, com a natureza, com as notícias. Questiona sobre o vírus da zika, sobre a vacina da gripe, sobre os problemas climáticos. Ele tem 4 anos e pede para assistir telejornal e para que eu leia o jornal para ele. Não deixo, porque assistir programas jornalísticos está diretamente ligado a tomar conhecimento sobre crimes e outras notícias que refletem o pior da nossa sociedade. Mas se ele ouve as palavras de interesse ao longe fica difícil tentar mudar de assunto. Descobri assim que crianças querem mais do que brincar, tem outros interesses e vocações pessoais, chamados que nascem com eles e se revelam talvez cedo demais.

imagesNesta semana li uma matéria sobre uma menina americana de 9 anos que me fez lembrar de mim mesma. Decidi ser jornalista aos 6 anos, andava com um bloquinho anotando e pesquisando tudo. Aos 7 anos minha brincadeira era apresentar o telejornal para minhas bonecas. Aos 9 anos, junto com o Meu Primeiro Gradiente (lembram dele?)  fiz a cobertura do Impeachment do Collor. Apurava nas ruas a opinião das pessoas e escrevia informativos sobre as últimas notícias. E eu só queria brincar a sério de ser jornalista. Nada me fazia mais feliz. Com o detalhe de que não tenho jornalistas na família. Era a minha vocação chamando desde cedo. Eu, curiosa, politizada e apaixonada por pesquisar era feliz entrevistando.

Da mesma forma a menina Hilde Kate Lysiak, de 9 anos, se tornou editora responsável e repórter do “Orange Street News”, há 2 anos e publica mensalmente um jornal com circulação de 200 exemplares com notícias locais. Só que desta vez ela publicou sua primeira reportagem sobre um homicídio em seu bairro. A manchete: “Exclusivo: assassinato na rua 9!” . E, no dia do homicídio, Hilde foi ao local do crime, entrevistou vizinhos e postou um artigo, uma foto e um vídeo. “Um homem é suspeito de ter assassinado sua mulher a marteladas”.

Quando o artigo dela foi postado, surgiram muitos comentários e críticas na página de Facebook do “Orange Street News”. Algumas pessoas questionaram se era apropriado que uma menina de 9 anos cobrisse um homicídio. Houve quem sugerisse, até, que ela deveria estar brincando de boneca.

O assunto não parou por aí! A menina foi para a frente das câmeras defendendo sua liberdade de expressão e comentou sobre as mensagens que recebeu: “Sei que alguns de vocês prefeririam que eu me sentasse e ficasse quieta porque tenho 9 anos”, ela disse. “Se vocês querem que eu deixe de cobrir as notícias, saiam da frente de seus computadores e façam alguma coisa quanto a elas”. Em poucos dias, ela se tornou sensação, e numerosos veículos noticiosos escreveram ou gravaram vídeos sobre ela.

Depois de ler sobre isso, entendi o que já estava em minha mente: nossas crianças já nascem realmente com um chamado especial. Tenho a impressão de que o mundo não suporta mais tanta violência, brutalidade, descaso, destruição, falta de amor… Nossas crianças, ou pelo menos algumas delas, sentem a necessidade precoce de arregaçar as mangas e fazer a diferença. E a reposta de Hilde toca o meu coração! Não fazemos nada e não queremos que nossos filhos façam, porque são muito novos e talvez não façam depois, porque foram educados a postergar.

Digo postergar, porque quando dizemos “Vai brincar, você não tem que se preocupar com isso agora”, estamos também dando a mensagem de que o mundo pode esperar, de que a obrigação de fazer mudar não é nossa. Os adultos estão ocupados demais trabalhando e as crianças devem ficar ocupadas brincando. E assim, talvez, elas cresçam, mudem de interesses e sigam em frente.

Não acho que crianças devam falar sobre violência, como ela fez. Se eu pudesse, não deixaria meu filho tomar conhecimento sobre o fato de existirem ladrões, assassinos, estupradores nunca. Mas eles existem e, infelizmente continuarão existindo. E mais cedo ou mais tarde precisaremos explicar que nossa sociedade está corrompida e se destrói dia após dia. Se pudermos construir algo melhor junto com eles, respeitando as vontades, interesses e vocações deles, por que não?

Basta respeitar o bom e velho modo de lidar com as perguntas das crianças. Responda apenas ao que foi perguntado. Nada além disso! Se as perguntas e necessidade vão além, é melhor que estejamos ao lado para dar apoio, do que descubram sozinhos e da forma mais dura possível.

E vocês o que pensam?

 

                     

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Priscila Correia

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