Aventuras Maternas

Que tal salvar o planeta brincando?

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Vivemos em um mundo em que tudo, de objetos a alimentos, é descartado sem nenhum cuidado. Compramos e jogamos fora com facilidade e sem pensar no futuro. E a resposta está aí: toneladas de lixo que ninguém sabe o que vai causar ao meio ambiente. Por aqui, pensamos em formas de “salvar o planeta”diariamente. Seja catando lixo nas praias, seja plantando ou criando brinquedos a partir do que seria descartado. E o mais legal é que não estamos nenhum pouco sozinhos. Um grupo cada vez maior vai em uma corrente avessa ao descarte do que ainda tem valor. E reciclagem, reuso, reaproveitamento são as palavras de ordem. E não pensem que apenas os adultos se preocupam com o assunto. As crianças, cada vez mais antenadas com o que acontece a sua volta, vão na mesma direção e, incentivadas por pais e professores, constroem seus próprios brinquedos e incentivam os amigos no mesmo sentido. E o planeta agradece, né?

Na casa da jornalista Hayla Leite, mãe do Luiz Guilherme, de dois anos e 10 meses, ela e o marido começaram a construir os brinquedos do filho quando ele tinha menos de um ano. “Foi um chocalho com garrafinha de refrigerante, que colocamos feijão dentro para fazer barulho, e lacramos bem para não correr o risco de abrir. Ele adorava.”, conta. Ela explica, ainda, que o filho enxerga tudo como uma brincadeira, mas que eles fazem questão de explicar que é reciclado, que é para ajudar a natureza, para Luiz Guilherme já ir se habituando. Hayla não vê problemas em dar brinquedos industrializados, mas conta que o filho acaba brincando pouco e desiste. Um dos últimos brinquedos construídos foi um caminhão de papelão. “Meu filho curtiu muito preparar o carro com o pai. E, por incrível que pareça, o carro de papelão ainda existe. Apesar de ser feito de papelão, meu filho ainda tem o brinquedo e guarda com todo carinho. Colocamos ele para ajudar a fazer e ele ficou todo bobo quando ficou pronto.”, complementa.

A administradora de empresas Fernanda Mazurek, mãe de Beatriz, de três anos, começou a ajudar a filha a construir os próprios brinquedos quando ela tinha dois aninhos. Ela conta que Beatriz também tem brinquedos industrializados, mas adora fabricar os próprios. “É uma criança extremamente criativa e eu incentivo isso. Para ela,tudo é brinquedo. Vejo que ela adora cada um e sua particularidade, e não faz distinção entre os de sucata e os industrializados.”, explica Fernanda. Em casa, Fernanda tem uma lixeira na cozinha que apelidaram de sucatão. “Todo pote de iogurte, garrafa de amaciante, miolo de papel higiênico, pratinho de isopor, caixa de ovos, garrafa pet ou qualquer material reciclável vai para lá. Tomou iogurte? Lava o potinho e põe nessa lixeira. E por aí vai. Um dia, abrimos, vimos o que temos e confeccionamos juntas os brinquedos. A sucata que sobra é enviada para a escola para outros trabalhinhos e a escola agradece demais! Muitos saem da minha cabeça, outros da dela e outros pesquiso na internet.”, completa.

E não é apenas em casa que Beatriz tem o incentivo para fazer seus próprios objetos para brincar. No colégio, os professores também gostam da ideia, tanto que acabaram de fazer olimpíadas para os alunos. As crianças que levassem brinquedos feitos com sucata, marcavam pontos para sua equipe. Os brinquedos depois ficaram para a brinquedoteca da escola. E Fernanda conta que reforça o que a escola aplica. “Falamos sobre sustentabilidade, falta de água, energia limpa, reciclagem, lixo… Ela sabe que o lixo não some, que a água doce é finita. Tudo muito de acordo com sua cabeça de três anos, mas com certeza é muito mais informada que muito adulto. Ela tem na escola aula de alfabetização ecológica com a Ambiente 21. Sensacional!”, exemplifica.

Escolas têm papel fundamental

Por falar em escolas, é nesse ambiente que as crianças passam boa parte do seu dia, e contar com professores que façam aflorar ideias sobre a questão da reciclagem e do reaproveitamento, é fundamental para os pequenos seguirem esse pensamento. Elizabeth Soto, coordenadora do Centro Educacional da Lagoa (CEL), explica que há anos eles trabalham com essa questão. “O trabalho de conscientização já começa na educação infantil, a partir dos cinco anos. São atividades sobre a coleta seletiva, a identificação dos materiais e a capacidade de reciclagem de cada item. Com isso, o tema começa a fazer parte do universo do aluno e segue por todos os níveis acadêmicos.”. Sobre a receptividade dos alunos em relação ao assunto, ela conta que “os alunos recebem sempre muito bem, por descobrir algo novo e criar objetos a partir de itens que antes não passavam de ‘lixo’, com espaço ainda para o desenvolvimento da criatividade, junto com a questão ambiental, que, sem dúvida, são o maior legado da atividade. “A criança absorve muito rápido o que é ensinado, então, leva isso para a vida como uma regra. Os pais comentam que na hora de descartar o lixo eles ficam atentos para ver se isso está sendo feito da maneira correta. É muito bonito de se ver!”, completa Elizabeth.

Na escola Liceu Franco-Brasileiro, a ideia de levar o universo da reciclagem para as salas de aula foi a partir de um torneio de Robótica que participaram no ano passado. Rosângela Nezi, professora de Robótica da instituição, conta que precisavam escolher um determinado rejeito e, então, elaborar uma solução para um problema associado a ele. O produto escolhido foi o óleo de cozinha e os alunos criaram um aplicativo gratuito que ensina como fazer o seu descarte correto e consciente, que, se não bem feito, pode contaminar a água, o solo e a atmosfera – o sucesso do app SOS Sistema de óleo sustentável foi tao grande, que o projeto foi levado para a Comunidade da Formiga, que receberam a visita dos alunos do Liceu para saber o que podem fazer em casa para evitar a contaminação do ambiente e do local onde moram.

A partir desse evento, a reciclagem na escola passou a contemplar todas as séries, com pontos de coleta de óleo de cozinha e fones de ouvido espalhados pelo local. “Os alunos receberam o projeto com entusiasmo e tivemos que mudar a nossa dinâmica para dar destino adequado ao óleo e fone que os alunos traziam.”, comenta Rosângela.

Reaproveitamento como terapia 

Outro projeto que enxerga as maravilhas do reaproveitamento é o Hospitalhaços, uma Organização Não Governamental que utiliza a figura do palhaço para levar sorrisos ao ambiente hospitalar. “Nosso desafio diário é criar uma atmosfera mais leve, alegre e descontraída para pacientes, familiares e profissionais da área da Saúde. E nenhuma figura seria mais adequada que o palhaço para tal missão. É por meio de atividades lúdicas, realizadas pelo personagem do palhaço, brinquedotecas e oficinas de artes plásticas, que criamos condições de bem-estar, humanização e, claro, muita diversão. Beneficiamos 360.000 pessoas em 22 hospitais, distribuídos por 13 cidades.”, conta Lucila Bertolini, artista plástica e coordenadora das cinco Brinquedotecas da ONG Hospitalhaços. 

Um dos locais preferidos pelos pequenos, certamente, é a brinquedoteca. Amparada pela Lei n*11.104, de 21/03/2005, a Brinquedoteca Hospitalar é um direito legalmente assegurado às crianças internadas. E não é para menos. É lá que o brinquedista promove a atividade lúdica, que tem como objetivo maior proteger e neutralizar o impacto das condições adversas presentes no hospital, amenizando o sofrimento e colaborando com a melhor aceitação do tratamento por parte da criança. O brinquedo tem valor terapêutico relevante, que favorece o equilíbrio emocional de forma divertida e suave, desenvolvendo o relacionamento entre as crianças e seus acompanhantes, e visando uma breve recuperação. E Lucila explica como foi a ideia de levar esse universo da reciclagem para o local. “Somos uma Organização Não Governamental, portanto, nossos materiais de artes chegam através das campanhas e doações feitas ao longo do ano. Os materiais recicláveis são de maior acesso e sem custo para obtermos, e eles vem de ações realizadas para coleta de rolinhos de papel, tampinhas de garrafas, revistas, caixas de papelão, embalagens, garrafas Pet, tampas, tubos, potes, latas etc.”, explica. Ela conta, ainda, que a receptividade dos pacientes foi interessante e divertida. “Ao apresentar as propostas com materiais recicláveis, tive a oportunidade de trabalhar a conscientização e sensibilização quanto a educação ambiental. Também confeccionamos jogos e promovemos a diversão em grupo, com o objetivo de novas amizades e estreitar laços afetivos.”, complementa.

Tudo tem valor, basta atenção

Pelo que parece, os pais estão cada vez mais incentivando os filhos a “consumir” produtos provenientes do reaproveitamento. E empresas como a Oficina Carmona, criada pelo psicólogo Marcos Carmona, são a cara dessa nova realidade.

A Oficina Carmona é um espaço, como Marcos define, virtual-real-emocional de invencionices, reinações e traquinagens de onde saem uns brinquedos, móveis, objetos de decoração e cenários para contações de histórias. “A Oficina nasceu, em mim, em 1979, quando eu tinha 6 para 7 anos e inventava brinquedos com pedaços de madeira jogados no quintal. Meu pai, uma vez, conseguiu um monte de bobinas de tecido vazias que eram feitas de sarrafos de madeira. Com elas, eu fazia estradas, barcos, aviões, rádios e um monte de coisas para as minhas brincadeiras. Meu pai construía umas hélices que voavam de verdade, aquilo era fascinante. Tomei gosto pela coisa e nunca parei de inventar moda e construir coisas.”, conta. Já adulto, em 2012, Marcos fez uma cozinha de brinquedo para a filha de uma amiga, e, aí, a oficina começou a ser a Oficina do Carmona, fazendo um brinquedo aqui, outro ali. “De lá para cá, de amigo em amigo, de boca em boca, o que faço foi divulgado e passei a ser solicitado para fazer brinquedos, peças para contações de histórias, e até móveis de madeira.”, completa. Em suas criações, ele trabalha a questão do reaproveitamento de madeiras e outros materiais, embora ainda use também materiais “novos” por uma questão de estruturadas peças.

Ela explica que, normalmente, cria um brinquedo inspirado em alguma criança, porque os pais pedem ou porque dá vontade mesmo. Daí o projeto ganha o nome dessa criança. (“Cozinha da Angelina”; “Caminhão do Guilherme” etc). “Feito o primeiro, finalizo um desenho, acerto as medidas e formas de produzir. Os próximos coloco pra venda. Muitas vezes customizo de acordo com o que me pedem. A produção é artesanal. Faço sob encomenda, às vezes coloco em lojas físicas.”, complementa.

Sobre como aconteceu a ideia de levar esse universo da reciclagem para os produtos, Marcos dá uma aula: “Vivemos numa época em que tudo é descartável. Produtos que antes duravam uma vida toda, agora cumprem seu papel em um tempo muito curto e depois têm de ser substituídos. Eu acho a “obsolescência programada” um horror, um desperdício e uma imensa falta de respeito com o mundo em que a gente vive. É uma forma de “escravizar” as pessoas nesse “compra-joga fora-compra de novo”. Isso gera uma quantidade de lixo absurda. E esse lixo nem é lixo mesmo. Quando eu era menino, havia gente que tinha como profissão consertar guarda-chuvas, por exemplo. Quebrou uma vareta? Troca. Rasgou o pano? Troca também. Havia oficinas que consertavam TVs e rádios. Não se jogava as coisas fora com tanta facilidade. Sua máquina de lavar durava a vida inteira. Hoje, a gente joga fora, ou deixa na gaveta. Além disso, acho triste a quantidade de lixo que produzimos todos os dias. A gente traz um produto do supermercado e, em 15 minutos, temos materiais nobres como o vidro ou o alumínio, além de plásticos, papelão e outros jogados fora. As embalagens são fontes de material. Além de ser uma riqueza em termos de material disponível, há uma riqueza de formatos e mecanismos que me inspiram. Muitas vezes um brinquedo nasce a partir da observação dessas características. Uma tampa de um produto pode lembrar o nariz de um avião ou um chapéu de palhaço; um led de uma placa eletrônica pode virar a lâmpada de uma casa. Aí começa a nascer uma ideia usando aquela peça. A cozinha a que me referi nasceu de uma coisa assim. Há uma marca de desodorante roll-on que se parece muito com um botijão de gás e tem um tamanho ideal pra uma casa de bonecas. Aquelas velinhas eletrônicas a pilha têm um led cuja luz trêmula como se fosse fogo mesmo. Bingo! Então, que tal fazer um fogão que “acende” de verdade?”, complementa. “Penso que há um público mais inteirado e preocupado com a forma como consumimos os recursos do planeta, que têm olhares mais afinados para a questão de formação e desenvolvimento das crianças que valorizam esse tipo de brinquedos, e o uso de materiais reaproveitados.”. Sim, esperamos que esse publico cresça a cada dia, para um melhor futuro para as crianças e para todo o planeta. 

A seguir, Marcos Carmona dá ideias de como os pais podem incentivar os filhos a criar seus próprios brinquedos. Mãos a obra? 

  • Cortando um quadrado na frente de uma caixa grande de papelão, por exemplo, você pode fazer uma televisão na qual o pequeno pode ser o apresentador – ele senta dentro da caixa, o quadrado que foi aberto é a tela;

  • Duas garrafinhas de plástico e uma bolinha de desodorante roll-on podem virar um jogo (um joga a bolinha pro outro usando a garrafinha com fundo cortado. Quem deixar cair perde;

  • Uma embalagem de amaciante, palitos e churrasco e tampinhas plásticas podem, com alguns recortes, virar um ônibus;

  • Um pedaço de papelão e umas caixas de pasta de dentre podem virar um avião que voa de verdade;

  • Para pensar na sucata eletrônica também: Uma escova de dentes velha, uma pilha daquelas que parecem uma moeda e um motorzinho do vibrador do celular velho viram uma daquelas baratinhas malucas.

Como podem perceber, são milhares as possibilidades. Basta olhar para os objetos com criatividade e atenção, e pensar no que pode virar a peça.

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Priscila Correia

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