No dia que o Arthur chegou da escola e contou que a “tia” tinha batido nele meu coração gelou. Ele contava com riqueza de detalhes, gestos e tal. Não dei nomes, não insisti. Mais tarde, com o pai ele repetiu a mesma história e no dia seguinte também. Aí fiquei preocupada.
Como sabia que ele poderia estar “criando” uma história, fui averiguar. Conversei com a direção e eles foram verificar nas câmeras de segurança. Nada. Somente um episódio entre os coleguinhas.
Depois disso, comecei a ter mais cuidado em acreditar em tudo que o meu filho falava, mas e se um dia for verdade? Como distinguir a verdade da mentira? Como ensinar isso para uma criança de 2 anos?
Segundo a psicóloga Helena Almeida, avaliar a veracidade do que é dito a cada momento é uma tarefa quase impossível. ”A necessidade de saber o que realmente aconteceu é justificável. Só assim os adultos conseguem ajudar a criança a regular e corrigir comportamentos e assegurar a sua segurança e bem-estar. Contudo, ao vestirmos o papel de detetives tendemos a usar e abusar desta função. E o nosso verdadeiro papel? Quem o desempenha? E será que estamos a ajudar a criança a verbalizar a verdade?”, destaca.
A psicóloga explica que por vezes, interpretamos como mentira uma verbalização que na verdade representa uma interpretação errada por parte da criança daquilo que ouviu ou porque não compreendeu a pergunta que lhe foi colocada. Outras vezes, a suposta mentira nasce no imaginário da criança, especialmente quando é muito pequena.
Para se ter uma idéia, crianças de até cinco anos de idade não conseguem separar a fantasia do real. A imaginação faz parte do desenvolvimento normal dela e é base para o pensamento lógico que o adulto tem. Mas com o passar dos anos, a fantasia dá lugar à noção de realidade, sem desaparecer totalmente.
A partir dos seis anos a criança ainda brinca com a sua imaginação e cria situações que não são reais, mas as invenções já são bem menores. A mentira torna-se intencional a partir dos sete anos, quando a criança já adquire noções de valores sociais e sabe exatamente a diferença entre verdade e da mentira.
“A verdadeira mentira implica alguma intencionalidade e está normalmente associada a dois aspetos: evitar castigos, ou desiludir o outro, ou conseguir algo que deseja muito. Assim, podemos ver alguma legitimidade no recurso à mentira, contudo é importante não a validar nem reforçar o comportamento de forma negativa”, afirma Helena.
Outros motivos que podem levar as crianças a mentir é o exemplo dos pais. Se os pais mentem pedindo para o filho dizer que não está quando o telefone toca ou são tolerantes quando o pequeno mente, a criança poderá achar natural mentir e fica sujeito a fazer isso.
Se tiver dúvida sobre a história da criança, não insista, peça que conte a história horas mais tarde e compare as versões ou faça perguntas amplas como: “O que aconteceu na escola?” em vez de “Te bateram na escola?”.
A criança deve sentir que ao contar a verdade terá a admiração dos pais, professores e amigos e que a mentira “tem perna curta” e logo será descoberta e desaprovada pelos mesmos.
Mas e, ao descobrir uma mentira, o que devemos fazer? Bronca, castigo, conversar… Qual seria a melhor reação? Segundo Helena Almeida, broncas severas ou castigos podem levar a criança a mentir mais vezes para não receber novamente esse tipo de punição. Mostrar os benefícios da verdade e os prejuízos que mentira traz para a própria criança e para as outras pessoas é o melhor caminho.
No entanto, vale ficar atento, pois a mentira frequente pode estar associada a sofrimento emocional e constitui um padrão de comportamento desadequado. Muitas vezes as mentiras são um recurso usado quando a verdade é demasiado dolorosa ou humilhante, ou como chamada de atenção.
Veja algumas dicas que podem ajudar:
- não insista imediatamente no assunto, a história contada horas, ou dias depois pode revelar versões a serem comparadas pelo adulto;
- ao invés de chamar a criança de mentirosa explique as consequências negativas de uma mentira com exemplos práticos e deixe claro porque é errado mentir e/ou prejudicar alguém;
- não grite, pressione ou submeta a criança a interrogatórios ostensivos e extensos;
- para começar a conversar utilize perguntas genéricas, mais abertas, ao invés de perguntas as quais a criança só pode responder com “sim” ou “não”. Ou seja, prefira “O que aconteceu na escola?” ao invés de “Alguém te bateu na escola?”
A maioria das mães sabe quando o filho está mentindo. E não é só intuição. “Inconscientemente, quem mente emite sinais não-verbais da mentira, os quais são captados pelo interlocutor”, diz a psicóloga Mônica Portella, que ensina a identificar as escorregadas mais comuns.
· O choro de manha não tem lágrimas e acaba de repente, assim que o bebê consegue aquilo que quer. O choro verdadeiro só se acalma aos poucos.
· Ao mentir, a criança pequena leva a mão à boca, como se quisesse esconder as palavras. Em adolescentes e adultos, esse reflexo pode aparecer como uma coçadinha na região dos lábios.
· Pausas longas e frequentes e o recurso de repetir a pergunta antes de responder indicam que a pessoa precisa pensar e elaborar melhor o que vai dizer.
· Sorrisos que somem com rapidez, em que os olhos não se contraem ou que deixam os lábios em posição assimétrica são suspeitos.
· Quem mente gesticula pouco ou faz gestos que não combinam com as palavras – por exemplo, a criança diz que já fez a lição apontando para a frente e não para trás, como seria natural para falar de uma ação passada.