As mídias sociais têm um poder incrível de engajar pessoas para o bem ou para mal. Felizmente, quando é para o bem, os resultados também acabam sendo muito positivos e ajudam até a salvar vidas. Nas últimas semanas, a luta de Tatiana Henrique, mãe do menino Apolo, de 6 anos, e de Agnes, de 12, tocou o coração de muitas pessoas contando a história de seu filho mais novo que é autista e vem enfrentando dificuldades dentro da escola dele. Ela já até conseguiu uma boa conversa com a Coordenaria Geral de Educação e essas dificuldades deverão ser resolvidas em breve, mas o texto de Tatiana serve para motivar outras mães a encontrarem o melhor para seus filhos neurotípicos ou não. Vale lembrar: TODA CRIANÇA TEM DIREITO À EDUCAÇÃO!
Abaixo o texto!
Meu filho é autista. Ok, vocês já sabem.
Quando ele está comigo, muitas pessoas ao olhá-lo, sem observá-lo, não percebem. Não há nenhum traço fisionômico ou coordenação motora que os distinga das neurotípicas. Em geral, ele pula e corre como qualquer outra criança da idade e tamanho dele.
A gente investigou cedo e por volta de 2 anos e meio de idade dele, começamos a fazer o que tínhamos disponível – em aspectos financeiro e de conhecimento. Isso, sem dúvida, fez com que ele se tornasse essa pessoa que eu descrevi acima. À primeira vista.
É na convivência, claro, que outra pessoa entende o autismo do Apolo. As ações estereotipadas, os apegos a determinados objetos, a dificuldade de estar em um mesmo lugar por muito tempo – o que nada, repito: NADA!, tem a ver com hiperatividade, mas com uma necessidade corporal relacionada ao próprio autismo -, a ausência de fala verbal articulada neurotípica etc.
Ao longo desses 4 anos – Apolo hoje tem 6 anos e meio – muitas das estrelas da constelação do autismo do Apolo se apagaram e outras nasceram – gosto dessa imagem poética da constelação para pensar em autismo, pois nenhuma característica é fixa; elas nascem e morrem, umas somem e outras surgem, e a gente tem de ficar sempre atento, com esse olhar entre a beleza do que a gente pode aprender com o seu surgimento e a preocupação sobre como ela vai interagir naquele quadro todo.
E eu me chateio furiosamente quando essas constelações brilham a ponto de chamar mais atenção que o universo de características que a pessoa Apolo é. Quando a sua capacidade de expansão é menosprezada e esquecida devido a quaisquer dessas características autísticas.
Mais furiosa ainda eu fico, quando, devido ao seu “autismo leve”, os profissionais que o cercam agem como se ele pudesse esperar, como se devêssemos ficar felizes e quietinhos no nosso canto, esperando, esperando, esperando as ‘boas vontades”.
Apolo entrou no sistema de educação pública no ano passado.
Ele já deveria, no contra-turno da escola, estar em uma sala de recursos, o ambiente em que seriam observados os caminhos para facilitar o seu processo de ensino-aprendizagem. Estou esperando o telefonema e o email da escola para o agendamento.
Todo semestre temos de ir à CRE para solicitar um profissional de mediação – um direito previsto em lei. A cada início de semestre, senão eles não chegam na escola. (E olha que estamos na 2a CRE. Imaginem na 10a!)
O sistema de mediação é um erro.
A criança, e mais em específico o Apolo, só pode ficar na escola se houver o mediador. Se não houver o mediador, ele não pode ficar, porque a escola não dá conta dele. Observem, no caso aqui: é uma criança que não usa fraldas, vai ao banheiro sozinha, quando quer beber água bebe, quando tem fome sabe onde está sua comida e come. Mas ninguém dá conta dele, motivo: porque ele não fica sentado, parado, em sala de aula. (Me avisem, por favor, o dia que vocês virem uma criança neurotípica que fique sentada e calada as quatro horas que passa dentro de sala de aula, pra eu poder tentar educar Apolo a chegar a esse “ideal”).
Quando isso acontece – e tem acontecido muito neste semestre – ficamos na entrada da escola esperando. Ele vê as outras crianças passando, indo pras suas salas, quer ir, eu tenho que segurá-lo pra ele não ir, porque ele “não pode ir”. É uma cena ridícula, vexatória, humilhante.
A vida é feita de idas e vindas. Mas a rotina desses descaminhos e desacordos revela descasos e contrassensos discursivos.
O sistema municipal de ensino da cidade do Rio de Janeiro, em teoria, possui o melhor sistema de Educação Especial; premiado.
Blá, blá. Quero ação e verdade. Quero diálogo.
Eu sou uma responsável presente e faço questão disso. Quero, quando perguntar sobre como ele está e o que eu posso fazer pra ajudar nas dificuldades que ele apresenta, que alguém me dê sugestões, e não se feche e silencie. (Não me venha sugerir, simplesmente, que ele ‘tome remédio’, pra ficar quietinho’, quando todo o ambiente em que ele está imerso não está!)
A escola pública – e eu já passei por ela como educadora e saí justamente por não suportar essa ‘ética’ interna – se blinda. É preciso que os números falem, acima das falhas que acontecem.
Contudo: eu não vou coadunar com isso.
E se o sistema não dá conta do Apolo, franqueza, por favor! A gente entra com um pedido judicial para autorização de ensino domiciliar! A socialização a gente faz na vida e afirmo que não faltam crianças e adultos que querem conviver com Apolo.
Como eu disse antes, Apolo tem 6 anos e meio de idade. Eu conto os meses, mas te digo que cada dia é crucial pra ele, pra gente. É a diferença entre um retrocesso e uma expansão de presença no mundo.
Eu não quero que meu filho se cure ou seja curado. Não acredito nisso. Não acredito não porque não acredite em cura, mas porque ele não tem uma doença, mas uma condição de vida.
Não me interessa o filho do outro, não me interessa comparar a condição do Apolo com a de outras crianças. A nossa luta, as nossas ações são para o crescimento única e exclusivamente do Apolo para com ele mesmo e seus desafios internos e externos.
Pra finalizar: ano passado, Apolo teve catapora. Ficou duas semanas sem ir à escola. Quando ele foi autorizado medicamente a voltar, foi um dos momentos mais lindos que eu já vi no meu filho: quando ele viu a blusa da escola estendida na cama e eu a peguei para vestir nele, ele pulava, ele gritava, ele ria.
Hoje, pela manhã, após ligar para a escola, pra saber se a ‘mediadora’ ia (pra não ter que passar por mais constrangimentos morais e emocionais inúteis), após a resposta “não sei”, fui colocar a blusa no Apolo. Se ele não quisesse vestir, simplesmente, seria ok. Mas ele chorava, fugia, se escondia, entre outras coisas que eu não quero relatar aqui.
P.S.: Não tenho medo de cara feia.