De alguns anos para cá, com o crescimento das redes sociais e afins, pessoas de todas as idades que buscavam se tornar celebridades passaram a ter essa possibilidade, nem que fosse apenas por alguns segundos. Bastava uma câmera à mão, alguma ideia – nem sempre bacana -, acesso ao Facebook ou Youtube e pronto: a fama estava batendo a porta. Entretanto, com o passar do tempo e um número cada vez maior de supostos astros, o sucesso só se firmou para quem realmente tinha algum trabalho a ser mostrado. E nesse seleto público, é claro, se incluíram as crianças.
É bastante óbvio para todos que o sucesso atrai. Afinal, quem não gosta de se sentir especial, não é mesmo? Mas até que ponto ele pode ser prejudicial para o desenvolvimento dos pequenos, especialmente, pelo lado emocional. Mônica Cardoso, psicóloga e psicanalista, explica que, muitas vezes, algumas crianças, desde muito novas, já mostram ter talento, algum dom e desejo pela vida artística. Outras são os pais que identificam e os incentivam, levando-os desde cedo para agências e para fazerem testes.
Ela alertam, entretanto, que quando a vontade é só da família, isso pode determinar problemas futuros para a criança. “Os pais devem estar atentos ao que a criança quer. Em geral, quando há desejo por parte dos pequenos, isso acaba sendo um prazer e mais um aprendizado, além de todos os outros importantes na infância. De qualquer forma, deve-se dosar a medida. Usar o bom senso é a melhor solução. A criança deve ter sua rotina escolar e de lazer preservados. As responsabilidades do trabalho artístico deve ter o peso e a medida de acordo com a maturidade da criança.”, comenta.
A também psicóloga Aline Gomes, coach e terapeuta de constelação familiar, lembra que crianças menores de cinco anos de idade ainda não têm muita clara a definição de sucesso ou fama. Elas simplesmente gostam de atuar, performar. Crianças maiores já podem entender os ganhos de se tornar uma celebridade – reconhecimento e visibilidade somados ao gosto pela atuação – e, aí sim, fazer o pedido aos pais para entrar neste mercado. Mas, de uma forma geral, há aprovação e incentivo dos pais para que as crianças ingressem no universo das celebridades, especialmente as menores.
A jornalista Marcia Romão, mãe de Mariana Lewis, de 11 anos, que é atriz e Youtuber, conta que a filha entrou para esse meio de celebridades por um pedido da própria. “Mariana começou a fazer curso de teatro com a professora Ana Wiltgen aos sete anos, no Teatro Fashion Mall, e, aos nove, fez uma audiçāo para o musical “Entremundos”. Passou e ficou em cartaz três meses. Depois entrou para a companhia de teatro Faz Art e já fez seis musicais”. Atualmente, Mariana está na webserie “O encanto da sereia”, no YouTube, e ensaiando o musical “Glee”, que estreia em março no Teatro Fashion Mall.
Apesar dos compromissos com o trabalho, Mariana estuda em uma escola em horário integral e vai bem nos estudos. “É ótima aluna, gosta de estudar e nāo temos problemas até o momento. Por enquanto, está dando conta de tudo.”, comenta a mãe. Quanto aos amigos do colégio, como a menina está há sete anos na mesma instituição, a fama não chega a ser um problema. Fora do trabalho, ela faz catecismo na escola e tem ensaios no teatro uma vez por semana. Ao chegar em casa, como qualquer criança ou adolescente, gosta de relaxar e fazer o que gosta – no caso dela, assiste a filmes.
Gabrielle Braga, servidora pública e mãe da atriz Letícia Braga, de 11 anos, que já fez novelas e séries na Globo e atualmente está no Gloob, conta que a filha sempre foi alegre e comunicativa. Desde bem pequena, já era evidente a vontade dela em se comunicar, mas isso ocorria em uma linguagem só dela. Com o tempo, passou a mostrar a vontade de ser atriz – além de cantora, bailarina e jardineira.
“Nessa época, ela já tinha sete anos. Eu não dei muita importância no começo, achei que não poderia confundir uma criança desinibida ou extrovertida com talentosa. Esperei e observei. A vontade e os pedidos dela se repetiram. Então, eu procurei uma agência de talentos, a Ieda Ribeiro Casting, que fez uma avaliação do perfil e potencial dela e indicou cursos. A partir daí os testes foram surgindo. Mesmo quando não passava na seleção, continuava dizendo que queria ir ao próximo. Nos primeiros trabalhos, com oito anos, mostrou-se muito dedicada, desenvolta, dirigível (jargão do meio artístico). Aí, eu percebi que, de fato, aquele era o mundo dela. Era muito nítido como ela circulava naquele ambiente de um jeito diferenciado. O que pra mim era estranho, para ela parecia fazer parte de sua alma. Algo conhecido, íntimo. A grande oportunidade veio na seleção do filme “A Menina Índigo”. Ali, diversos profissionais passaram a conhecer a Letícia e também a verem nela um dom. Foi quando eu comecei a perceber que isso não seria mais só uma brincadeira.”, explica Gabrielle. E ela estava certa. Notável em todos os papéis que fez, chamou a atenção do grande público e críticos na novela “A Regra do Jogo”, da Globo, onde tinha um papel bastante dramático. O talento foi comprovado na série “Justiça”, também da mesma emissora, que foi ao ar em 2016. Atualmente, está no “Detetives do Prédio Azul”, que a garotada adora.
Mas mesmo com todos os planos para uma carreira de sucesso que começa a ser traçada, Gabrielle faz questão de manter a rotina na menina. Em época de gravação, tudo fica muito cansativo e corrido. Aulas na escola das 7h20 às 12h30, e gravações das 14h às 20h. Já os finais de semana são para descansar e colocar a matéria da escola em dia. “Fora isso, vida normal. Ela me acompanha no mercado, médico, faz trabalho na casa das colegas, cinema.”, complementa Gabrielle.
Já quando se trata de mídias sociais, a administração das redes de Leticia fica por conta da mãe e da assessora de imprensa. “Ela pouco usa, especialmente pela falta de tempo. Normalmente, é um pouco depois do almoço e um pouco a noite, depois das tarefas escolares, banho e jantar. Letícia é muito madura no que diz respeito ao trabalho. Sabe que não é possível agradar a todo mundo. Críticas são sempre boas quando são feitas de forma respeitosa, e ela procura ver se, de fato, fazem sentido. “O problema é que crianças falam o que querem e nem sempre da forma mais educada.”, ri Gabrielle.
“Já vi ela chorar e reclamar. Mas aproveito sempre esses momentos para conversar. Um assunto chama o outro e vamos desenvolvendo ideias. Até o momento, nunca foi preciso apagar nenhum comentário.”, complementa. E a mãe também controla a agenda dela. “Tudo o que a Letícia faz, eu antes explico e pergunto se ela quer. Assim, ela não faz nada que não queira. Mas também se tem algo que ela queira e eu não ache bom, ela também não faz.”. Gabrielle dá como exemplo o convite para um show que a filha recebeu. Apesar de Letícia sentir vontade de ir, porque gostava das atrações, a mãe não deixou. “Não era horário, nem local para criança, mesmo em um espaço vip.”, pontua. E a psicóloga Monica pensa da mesma forma que a mãe de Letícia, já que explica que é importante tirar as crianças desse meio às vezes. “Não seria prudente deixar nossos filhos irem a festas todas as vezes que tiverem uma. Com o advento da internet e redes sociais, o círculo de amizades aumentou, e deve-se avaliar, junto com a criança, qual o evento escolher para ir.”, explica.
Mas embora tudo pareça perfeito na vida dessas crianças, como em qualquer profissão, falhas podem acontecer e críticas vão aparecer, é claro. E como ajudar a criança a entender que todo trabalho pode ter esse lado não tão “divertido”? Márcia Romão conta que a filha costuma receber muito carinho e reconhecimento dos fās, mas que já houve um vídeo dela em que foi muito criticada. “Entāo, tentamos explicar que isto acontece mesmo e que nem sempre todos vāo gostar de tudo o que ela faz. Acho que é um aprendizado para a vida.”, exemplifica.
Outro “problema” muitas vezes enfrentado por crianças famosas é o anonimato quando crescem. Mônica explica que a educação e os valores transmitidos pelos pais ao longo da vida – e isso vale para qualquer criança, famosa ou não – são fundamentais para dar suporte emocional à criança famosa. “É preciso deixar claro para o filho que o fato de ele ser famoso não significa que seja melhor do que ninguém, pois há um risco de se tornarem narcisistas e valorizarem demasiadamente a sua imagem. Deve-se também colocar para a criança que a fama, às vezes, não dura para sempre, pois pode ser apenas uma etapa da vida e que um dia ela poderá escolher outra profissão, por exemplo. É importante trabalhar a autoestima da criança. A família deve sempre respeitar a escolha de seus pequenos, encontrando um equilíbrio entre permissividade e limite. Lembrando, também, que todos têm seus direitos e deveres. E no caso das crianças, os deveres são os estudos.”, enfatiza. Gabrielle sempre conversa com Letícia sobre o assunto.
“Eu digo que ela não precisa ser atriz para sempre, só enquanto ela quiser. Vamos vivendo uma coisa de cada vez. E ela também pensa assim. Sabe que o importante é estar bem e feliz. O sucesso é legal? Sim, é bom. Ele traz novas oportunidades de conhecer lugares e pessoas, ter acesso a bens que ela não teria condições se não fosse atriz, mas isso não é o mais importante. Na verdade, isso só acontece porque ela faz o que faz com carinho e com vontade. No dia que isso não acontecer mais, se refletirá no trabalho, que por si só perderá a qualidade. É uma relação de causa e consequência.”, finaliza.
A psicóloga Aline Gomes vai além, e complementa: “alguns entram no anonimato por opção. Entendem que viveram uma fase e que aquilo passou, e então seguem numa carreira mais compatível com seus valores, dons e talentos. Porém, se a criança desejou permanecer sob os holofotes e não conseguiu, a mente pode ficar confusa: frustração, sensação de inabilidade e de desmerecimento. É preciso muito acolhimento e, talvez, até acompanhamento psicológico, para que a criança perceba seu valor, seus talentos e seus pontos fortes.”.
Portanto, mostrar valores, limites, responsabilidades, rotina e a realidade do mundo, entre outros ensinamentos, ainda deve fazer parte da vida de qualquer criança, famosa ou não. Afinal, diante dos holofotes ou longe deles, esses pequenos são apenas crianças que precisam de orientações, amor e cuidados.