Por Marcelo Silber
É comum ouvir alguém falando que a geração atual está crescendo mais rápido ou que está mais esperta. Porém, essa afirmação não pode ser considerada tão correta assim. Nenhuma geração que se sucede é melhor que as anteriores. O que podemos afirmar é que elas são diferentes, sobretudo porque existem estudos apontando para a interferência de fatores ambientais no desenvolvimento cerebral.
Cada uma das células que compõem o ser humano possui DNA (ácido desoxirribonucleico), que será responsável por guardar todas as informações genéticas daquele indivíduo. O DNA tem segmentos chamados genes, sendo cada um deles responsável por uma característica ou função. Dessa forma, podemos dizer que os genes nos darão as “instruções para a vida”.
Apesar de não serem modificados, determinados fatores ambientais chamados de epigenéticos podem alterar a forma como as células interpretam as instruções dos genes. A epigenética contempla qualquer tipo de experiência, seja ela social, nutricional ou sensorial. Sobretudo na fase de crescimento, essas experiências desencadeiam resultados positivos e negativos, que podem ser potencialmente revertidos. Se mapeássemos todas as diferentes combinações dos genes, eliminando sua ação negativa, poderíamos, em tese, retardar o envelhecimento ou, até mesmo, curar certas doenças.
Hoje, existe a possibilidade de modularmos a ação da epigenética para obter condições que potencializem todo o desenvolvimento neurocognitivo da criança. Algumas possibilidades são através da nutrição e dos estímulos adequados. Essa preocupação é extremamente relevante nos primeiros anos de vida, já que 175% do crescimento cerebral ocorre do nascimento até os dois anos de idade e, aos cinco anos, 85% do cérebro já estará desenvolvido.
Nessa fase, a nutrição possui impacto sobre o neurodesenvolvimento infantil nas quatro áreas-chave do cérebro: motor, comunicação, cognitivo e social. A capacidade que a criança tem de chutar uma bola e de andar de bicicleta corresponde à área motora, enquanto o cognitivo está associado a tudo o que utiliza a inteligência – como memória, aprendizagem e associação. Já a comunicação – que serve de base para a função cognitiva – refere-se às formas de expressão que podem ocorrer por meio de diversos tipos de linguagem, como corporal, fala ou escrita. Por fim, a capacidade social compreende na interação da criança com seus pares.
É possível dizer que ao longo dos últimos anos a nutrição infantil vem se aprimorando, principalmente devido à melhora da orientação para essa fase da vida, através de novos conceitos metabólicos, prevenção da obesidade e desenvolvimento de compostos lácteos, que complementam a alimentação com nutrientes.
Uma molécula essencial para o funcionamento de todas as nossas células é a Colina. Ela é precursora da Acetilcolina, um neurotransmissor importante e principal mediador do sistema nervoso parassimpático – responsável por modular funções como salivação, frequência cardíaca, função intestinal, abertura e fechamento das retinas. A Colina ainda participa do desenvolvimento da memória e da concentração. Ela pode ser encontrada em alimentos de origem animal, como fígado, ovos e soja. Entretanto, sabemos que a alimentação da maioria das crianças é baseada no consumo de carboidratos – o que gera uma preocupação sobre a quantidade diária de Colina ingerida.
Já entre as gorduras, destaca-se a ação do DHA (ácido docosahexaenóico), que é um ácido graxo poliinsaturado de cadeia muito longa (LC-PUFAS) e derivado do ômega 3. Importante no desenvolvimento neurocognitivo, o DHA – principal componente lipídico do sistema nervoso central – é responsável por fornecer energia e atuar no desenvolvimento das membranas cerebrais, além de ajudar na formação dos cones e bastonetes da retina, células que fazem a integração do impulso visual. Um exemplo prático diz respeito à agilidade com que você enxerga um objeto e processa essa informação no cérebro, que está diretamente relacionada ao seu aporte desse nutriente.
O DHA pode ser encontrado com boa biodisponilidade em peixes de águas profundas, como salmão, sardinha e atum, que infelizmente não fazem parte da rotina da maior parte dos brasileiros em quantidade adequada para suprir as necessidades diárias. De acordo com estudo realizado pela The Nielsen Company Latinoamérica em 2009, 41% dos brasileiros consomem peixe apenas uma vez por semana, enquanto 15% dos entrevistados ingerem peixes raramente ou nunca. Conclui-se que praticamente 60% dos brasileiros não ingerem a quantidade adequada para suprir as necessidades de DHA.
Quando existem dificuldades para atingir o aporte de nutrientes através da alimentação, uma opção é buscar um complemento nutricional, como, por exemplo, os compostos lácteos. Além dos nutrientes presentes no leite de vaca, esses produtos possuem o teor de gordura apropriado e ainda oferecem boa disponibilidade de nutrientes – como ferro e DHA –, que apoiam o desenvolvimento das crianças. Além de manter uma alimentação balanceada, os compostos lácteos oferecem um caminho complementar para atingir os níveis recomendados de sais minerais e as vitaminas.
Além da nutrição, os estímulos adequados e a ação dos pais como preparadores emocionais são importantes para o bom desenvolvimento cerebral na infância. As brincadeiras têm a capacidade de alterar as conexões dos neurônios, o que vai favorecer a regulação de emoções e a capacidade de elaborar planos e solucionar problemas, conforme apontado no livro The Playful Brain: Venturing to the Limits of Neuroscience (O cérebro lúdico: aventurando-se aos limites da neurociência), dos pesquisadores Sergio Pellis e Vivien Pellis.
Estudos de neurociência que comprovam os benefícios do brincar no desenvolvimento infantil, como aquele desenvolvido por Shonkoff e Philips (2000), correlacionam a aprendizagem cognitiva com as brincadeiras. Nesse caso, eles conseguiram provar que quanto mais a criança brincava, maior era o seu desempenho escolar. Brincar é uma forma importante de construir a base da aprendizagem para a vida.
O poder da brincadeira e da alimentação só vai ser atingido ao nível mais alto se a criança tiver experiências cognitivas, sociais e afetivas de maneira completa. Sofrer privações de abandono, maus tratos ou situações que contribuam para infecções fazem com que a epigenética haja negativamente no neurodesenvolvimento infantil. Além disso, é necessário dar para a criança uma nutrição completa, com níveis adequados de DHA e Colina, e proporcional às necessidades de cada faixa etária. Em caso de dúvidas, é importante consultar um pediatra que indicará a alimentação adequada para cada idade, bem como a forma de consumo. Com esses cuidados, toda a influência epigenética abordada previamente vai ocorrer de maneira positiva e a criança vai atingir a plenitude do neurodesenvolvimento programado.
Marcelo Silber é pediatra e neonatologista pela Universidade de São Paulo e pediatra do Hospital Israelita Albert Einstein (SP).