Você consegue identificar a diferença entre duas gaivotas voando no céu? Não? Nem eu, só sei que elas são livres! Mas quando se trata de seres humanos, percebemos zilhões de características físicas, comportamentais e emocionais diferentes até mesmo num pequeno raio de comparação. E é exatamente aí que está a graça de sermos humanos. Temos um milhão de possibilidades e podemos aprender com cada uma delas e com os diferentes pensamentos e atitudes de quem está a nossa volta.
Uns são melhores em Matemática, outros em Filosofia, uns sabem tocar instrumentos com maestria, outros pintam obras de arte, alguns não tem habilidade artística alguma, mas cozinham super bem, e algumas pessoas possuem empatia natural para liderar. E isso tudo independe da genética.
Quando se fala em Autismo ou em Síndrome de Down, o assunto que sempre vem à pauta é a inclusão. Todos temos direito à educação, à liberdade de expressão, a ter uma vida real, sem arredomas limitando nossas necessidades. E nenhuma alteração genética exclui a possibilidade de se destacar diante de alguma atividade ou de se empenhar em descobrir algo novo. Mas, só existe a chance de desenvolver alguma habilidade, se tivermos a oportunidade de ativá-la, se pudermos sair da bolha de proteção.
Estamos falando em crianças com alterações genéticas, mas não acredito que esse assunto seja pontual. Quando se fala em super proteção o importante é ressaltar e avaliar como nós, pais, independente das características de nossos filhos, somos os primeiros a excluir possibilidades das vidas deles. Levante o primeiro dedo indicador, aquela mãe que nunca disse: “Mas meu filho ainda não consegue fazer isso” ou “Tenho medo que ele se machuque, prefiro deixar para mais tarde”.
É preciso saber antes de tudo, que nossos filhos são capazes de coisas diferentes do que nós sabemos, vão ter vontades diferentes e aptidões melhores ou piores para atividades que fazemos bem, ou que tentamos e não conseguimos executar da melhor forma possível. E estamos aqui exatamente para dar aquele empurrão de incentivo.
Eu tinha uma vizinha com Síndrome de Down, quando eu era pequena, e só entendi que ela tinha algo diferente de mim, porque os pais não a deixavam brincar comigo. Diziam que podia ser perigoso, que ela poderia me machucar por ser muito forte, que não conseguiria andar de bicicleta (coisa que eu não sei fazer até hoje) ou fazer outras brincadeiras da mesma forma que eu. Lembro que nem à escola a deixavam ir. Eu tinha seis anos, como ela, mas nunca esqueci o olhar de tristeza que eu percebia enquanto ela me olhava pela janela desejando fazer a mesma coisa que eu fazia no quintal da vila que compartilhávamos. É cruel cercear a liberdade de uma criança assim.
Limitar os desejos de alguém que já enfrentará tantas dificuldades sociais diante da ignorância das pessoas que não conhecem nada sobre o Autismo ou a Síndrome de Down ou outras tantas, é o primeiro passo para oprimir e impedir o crescimento de alguém que poderia ir muito além. Sei o quanto é difícil a rotina e o aprendizado desses pais e sei que não estou no lugar deles para saber a realidade cotidiana. Mas acredito que o excesso de proteção é o primeiro instinto, assim como acontece com qualquer pai. Afinal, ninguém quer colocar a vida e o bem-estar de que mais se ama em risco. Mas, vale se perguntar sempre até onde vai nosso poder de limitar e se não estamos impedindo o crescimento e o desenvolvimento de nossos pequenos. E isso vale para todos os pais, independente de diferenças.
É tempo de celebrar a esperança e a renovação. Quem sabe, nestes dias, podemos fazer uma boa reflexão sobre de que forma conseguimos estimular as crianças a irem além de seus limites. Meu filho de 3 anos, chegou em casa dizendo que quer aprender violino. Eu que não toco instrumento nenhum, poderia até insistir que ele antes deve aprender a tocar a flauta de brinquedo dele, mas se o interesse pelo instrumento de cordas despertou a ponto de pedir para aprender, quem sabe não está aí uma boa oportunidade para ele desenvolver um dom musical para a vida toda? Ah! Ele também pediu para conhecer escorpiões de perto, mas acho que não estou preparada para essa aventura!