Estranhar o diferente é uma reação comum do ser humano. Nas crianças, antes que o ato seja contaminado por juízos de valor que impedem o relacionamento, é importante que nós, pais, e também os educadores interfiram e mostrem que as diferenças existem e fazem parte da beleza da vida.
Outro dia, meu filho perguntou a um coleguinha por que ele é mais velho e é tão menor do que ele. E acrescentou que deveria ser pequeno por que não comia brócolis. O menino respondeu que comia sim, mas que não poderia crescer. Enfim, fiquei um pouco constrangida de incomodar o menino com essas perguntas que beiravam o preconceito, mas não interferi até esse momento, porque achei que aquelas perguntas eram ao mesmo tempo naturais e faziam parte das relações humanas. Não podemos fingir que as diferenças não existem, já que são fatos normais do ser humano, mas é a forma como lidamos com eles que nos torna cruéis ou não.
No final das contas, a resposta do menino bastou e os dois continuaram brincando naturalmente como se a pergunta nunca tivesse existido e meu filho continuou comendo brócolis com o objetivo de crescer, mesmo descobrindo que nem sempre comer a verdura faria efeito real.
Pouco tempo depois, ele encontrou uma menina sem um dos braços e durante a brincadeira, ele levantou a seguinte frase: “Nossa! Muito maneiro você conseguir jogar bola com um braço só. Você é demais!” e voltou para mim perguntando “Mamãe, será que se eu tiver um braço só vou ser bom como ela?”
Me enchi de orgulho deste questionamento. Se deixamos livres para aprender sobre as diferenças com naturalidade, podemos perceber as mais diferentes sensações e interpretações em nossos filhos. Questionar é normal, perceber diferenças é normal. Fingir que não existem e afastar nossos filhos é anormal e é preconceituoso.
O psiquiatra Telmo Kiguel cita o exemplo de uma criança de colo, que, por conviver somente com pessoas parecidas com ela, pode se assustar com a presença de uma babá que seja de outra origem étnica. “É natural essa reação. Cabe a mãe introduzir com carinho a presença da profissional para mostrar que a convivência com as diferenças é segura”, diz.
Segundo o especialista, o bebê reage por medo do que lhe parece diferente. No entanto, se a mãe agir de maneira negativa com essa babá, o filho pode entender que a aparência é a razão da aversão do adulto, originando um preconceito étnico-racial. “Se os pais são discriminadores dificilmente ajudarão os filhos a não ter preconceito. Se não forem, servirão de modelo pela sua conduta e por aquilo que puderem transmitir verbalmente”, declara.
Abaixo seguem algumas dicas para criar nossos filhos sem preconceito. Costumo aplicá-las por aqui e tem dado certo. Espero do fundo do coração que meu filho se mantenha livre e com o coração puro de avaliações que não condizem com o que é “ser” humano.
– Não definir as pessoas na rua, usando rótulos: gordinha, negão, baixinho, magrelo…. Para definir uma pessoa, podemos usar a cor da roupa, do acessório que está usando ou dizendo o que ela está fazendo. Ex: “aquela de vestido rosa”, “aquela que está bebendo suco de laranja”, “aquele que pulou na piscina”.
– Não use estereótipos e generalizações: meninas usam rosa, meninos azul; garotos têm cabelo curto, meninas longo; eles brincam de carrinho, elas de boneca, e por aí vai. Crianças naturalmente são atraídas por determinadas brincadeiras e atitudes.
Meu filho brinca de Barbie, mas ama dinossauros e carrinhos desde pequeno. Isso foi uma escolha natural dele, da mesma forma que poderia ser brincar de boneca sem afetar em nada na sexualidade dele. Crianças brincam, conhecem cores novas e passeiam pelas novidades o tempo todo. Eles precisam de liberdade para escolherem o que gostam de fazer. E não é um rótulo sobre o que ele deve fazer que vai definir quem ele será no futuro. Mas o uso de rótulos pela família definirá o quão preconceituoso ele será.
– Quando nossos filhos vão pela primeira vez na escola é preciso conversar com eles explicando que encontrarão coleguinhas de cor de pele, de cabelo, de olhos diferentes, que podem ter dificuldades físicos, compreender o que aprendem de forma mais lenta, enfim, explicar que as diferenças são comuns e começam em casa. “O cabelo da mamãe é diferente do papai. A vovó precisa usar óculos, o vovô não tem um dedo…”.
– O tradicional “se colocar no lugar do outro” também ajuda. Pergunte ao seu filho: “Você gostaria que seus coleguinhas rissem de você? Que batessem em você?” E aproveitar a resposta dele, que geralmente é “NÃO”, para dizer: “Então não devemos fazer ao nosso coleguinha o que não queremos que façam com a gente.”
– Deixe seu filho perguntar sobre o que acha diferente. Omitir as diferenças e mandá-lo se calar ao perguntar na rua o porquê de um amiguinho ser pequeno, não enxergar ou ter alguma Síndrome, aumenta o preconceito e valoriza as diferenças entre eles. A partir do momento que a pergunta é simples e não agressiva, ela pode até aproximar as crianças e mostrar para seu filho que é possível viver bem e feliz mesmo com as diferenças.