“Eu e meu marido, Alair Soares , somos os orgulhosos e felizes pais de Flávio e Gabriel. O Flávio está com 17 anos e o Gabriel com 13. Fui mãe aos 25 anos e Flávio nasceu lindo, saudável, feliz, sendo muito esperado e amado. Como qualquer casal que queria construir uma família, aquele era nosso momento: estávamos completos com um filho ao nosso lado.
Até obtermos o diagnóstico de Flávio, passamos por muitas etapas. Muitas vezes ficamos perdidos, sem saber para onde ir ou a quem recorrer. Diferentemente de há alguns anos, hoje temos uma gama infinita de informações, das mais profundas as mais diversas. Mas há 15 anos era outra época. Quando Flávio tinha entre três e quatro anos conseguimos o diagnóstico, mas a falta de conhecimento sobre o autismo começou desde o pediatra que o acompanhava até orientações de exames desnecessários para um diagnóstico de autismo, que consiste muito mais em uma análise clínica de especialistas em transtornos de comportamento que em qualquer outro exame. Peregrinamos por hospitais públicos para exames genéticos, até sermos indicados para uma médica especialista em autismo, a Dra. Carla Gikovate. Foi então que o diagnóstico foi fechado: Autismo.
Nunca é agradável receber uma notícia a respeito de uma enfermidade de um filho. A medida que caminhávamos para uma resposta , íamos nos convencendo que havia, sim, algo diferente em nosso filho , mas ainda não sabíamos o que. O comportamento atípico é o principal motivo da desconfiança, pois o autismo é revelado pelo comportamento em três bases . Linguagem tardia; interesses compulsivos ou repetitivos, que são as rotinas; e o desinteresse social, com pouca ou nenhuma socialização.
Assim que foi fechado o diagnóstico, nos permitimos o luto , choramos , nos entristecemos , mas temos a bênção de ser uma família que tem fé em Deus e sabíamos que se Ele nos escolheu para ser pais especiais, também daria o suporte que precisávamos. E, então, fomos a luta por nosso primogênito.
E assim começou uma corrida contra o tempo. Muito estímulo, muita adaptação. A ajuda de terapeutas no início foi muito valiosa. Ensinamos a ela para olhar nos nossos olhos; para parar de falar na terceira pessoa – “o Flávio quer….” -; e passar a se reconhecer como pessoa sempre estimulando a falar “eu quero”, usando sempre o Eu.
Foram e muitas intervenções no dia a dia. A família, como um todo, sempre teve um papel de acolhimento indispensável, com muita dedicação, respeitando os limites e ajudando Flávio a vencer as prisões da rotina exagerada do espectro. Ano após ano, fomos vendo o quadro dele se aproximando de um autista em auto desempenho. A fala veio, e depois que aprendeu, não parou mais. Hoje, nós brincamos dizendo que ele é o autista mais falante da Terra.
Flávio estudou em escola normal até os 10 anos. E esta é outra questão enfrentada por muitos pais de crianças especiais. A escola é obrigada a aceitar, mas o currículo é rígido. Com 10 anos, trouxemos ele para estudar em casa, em um ambiente preparado para a mente dele. No primeiro ano em casa, no início, não somava 2 + 2, mas terminou o ano dominando frações. Vimos, então, que a decisão tinha sido acertada. Nosso filho tinha mais a aprender com um estudo voltado pra ele.
Embora as pessoas muitas vezes questionem como as pessoas com TEA se sentem em relação aos amigos e ao entorno, posso dizer que são como qualquer outra: Flávio sempre foi muito feliz , sorridente , uma alegria que contagia. Muito cheio de amigos, não é depressivo e nem sabe do seu diagnóstico. Mas isso é uma decisão de cada família. Nós nunca falamos sobre isso, foi nossa decisão. Com muita paz, decidimos que ele se veria como todos nós.
Ele é um menino que tem uma coração de dar inveja, no bom sentido. Pense em uma pessoa que não trata ninguém com diferença: rico , pobre , preto , branco , amarelo. De uma simplicidade que nos ensina e desnuda nosso próprio coração. Ele não sabe o que é mágoa, rancor, ressentimento. E, assim, percebemos que o chamado imperfeito, nos ensina muito de perfeição.
Mas se a história do Flávio nos ensinando a viver já era linda desde sempre, aos 14 anos vimos ele se abrir para uma nova habilidade: se desenvolver com a culinária. Em casa, ele bate bolo, faz sucos deliciosos, prepara uma tapioca como ninguém. Mas tudo ficou ainda mais evidente em uma viagem para Salvador, onde mora minha família. Lá, ele descobriu o alfajor de um amigo que vendia , e se apaixonou pelo doce. Ao mesmo tempo , minha irmã, que trabalha com chocolates artesanais, colocou ele na fabricação para fechar caixinhas. E ele ficou muito feliz – o autista faz muitas repetições com prazer. Então, voltando das férias, ele mesmo juntou o alfajor e uma fábrica na cabeça dele e me perguntou se poderia fazer alfajores pra vender. E assim que começou a mais nova aventura na família. E eu, é claro, como toda mãe, entrei fundo na ideia. No princípio, a família se envolveu para incentivar . Conseguimos uma receita nossa , que tem o nosso segredo. Além de amor, muito amor pelo que fazemos. E foi dando muito certo.
Logo, da família, veio a encomenda para dois casamentos. Juntamos doações de tios e avós e montamos a sua cozinha. Ele tem o maior orgulho de dizer que tem uma fábrica e que trabalha. Paga todas as saídas de fim de semana com os amigos, comprou seu celular e ainda pagou passagem de avião pra viajar. É ou não é uma grande bênção? Ele tem sonhos, como qualquer um de nós, e quem sou eu para duvidar que ele conquistará grandes coisas?
Hoje, a Doce do Bem, nome da empresa dele de alfajores, ainda é rudimentar, mas já concretiza um conquista gigante: ver nosso filho as vésperas de completar 18 anos, trabalhando e feliz . E tem mais: ele não fica apenas na fabricação. Ama vender. No verão, vende nas praias de Niterói no fim da tarde . Anda o que precisar, pois seu objetivo é sempre vender tudinho.
Quanto ao futuro, é apenas um detalhe nesse caminho tão bonito.
Creio que todas as mães de crianças especiais devam abraçar seus filhos como dádiva , pois nós somos transformados quando nos doamos por alguém em amor. E este é o sentido da vida. Com certeza, o amor que recebemos desses anjos é extremamente recompensador. Portanto, digo a todas as mães queridas e especiais , não façam do futuro um monstro , pois assim ele vencerá. Lutem e conquistem todo o espaço que puderem para seus filhos serem acolhidos e vistos como seres humanos.”
Claudia Marques Nicácio Soares, mãe de Flávio, 17 anos.
E para encomendar o Doce do Bem, mande mensagem para (21) 98159-1908.
Assista também o lindo vídeo com a história do Flávio produzido pelo Movimento do Otimismo, de Camila Cavalcanti.