Quando crescemos, costumamos esquecer uma série de acontecimentos e sensações da nossa infância. Ou melhor, colocamos em algum local do cérebro, uma caixinha secreta, onde ficam lá, guardadinhos os sentimentos, prontos para se manifestar em alguma situação mais tensa.
Pode ser aquele trovão que atormentava ao dormir e que agora apenas causa um ligeiro arrepio, ou o boneco com uma aparência estranha que você só lembra ao assistir filmes de terror. Porem, ainda que saibamos que tivemos medo quando pequenos, costumamos fazer “pouco caso” quando alguma criança fala sobre o assunto. Monstros? Fantasmas? Raios? Sim, todos esses assuntos habitam a mente deles. E um detalhe importante: alguns, por incrível que parecam, têm a ver com o mundo em que vivemos atualmente, com insegurança e medo da violência.
Segundo especialistas no assunto, como psicólogos e psicanalistas, entre os medos mais comuns estão os de se machucar, de cachorros, do escuro, de insetos e de pessoas estranhas. A partir de uma certa idade, é comum medos de fantasmas, lendas urbanas, monstros.
“É na fase infantil que o medo aflora mais intensamente. Um dos mais corriqueiros é a fobia escolar, um medo incontrolável pelo desconhecido e dificuldade de adaptação a nova realidade sem a presença da mãe. Outro medo que atemoriza às crianças é o medo de escuro, pelo qual a criança sofre por não saber o que vai acontecer. Alertamos aos pais para as musiquinhas de duplo sentido, como aquela ‘Boi da cara preta, pega essa criança que tem medo de careta’. Especialistas dizem que a maioria das crianças sofrem seus primeiros impactos psicológicos pelo medo do “malvado” boi da cara preta. Isso é prejudicial, psicologicamente falando.”, alerta Paulo Miguel Velasco, psicanalista clínico, escritor e professor de Psicanálise.
Desta vez, o Aventuras Maternas não quis saber a opinião das mães sobre algum assunto. Os entrevistados foram os filhos. Isso mesmo! Se é deles que falamos o tempo todo, por que não ouvi-los as vezes, não é mesmo? O Theo, de 3 anos, diz ter medo de aranha. “Ahhhhh, e lacraia, lobo…..Homem mau. E também tenho medo de vilão e ladrão.”.
Já Heitor, com apenas dois anos, tem medo do Velho do Saco, porque pode pegá-lo, e de borboleta, porque voam nele. Esse medo, inclusive, embora vire motivo de piada para muitos, é bem mais comum do que imaginamos. Paulo Velasco fala que a motefobia – medo de borboletas e mariposas – é muito comum em crianças entre 3 a 7 anos. “Apesar desse medo ser considerado como frescura, principalmente nas escolas, ele tem como consequência o bullying, ou seja, a criança passa a ser vítima de gozações e tende a ficar com vergonha, isolada e deprimida. A forma mais eficaz de tratamento é com um profissional habilitado na área da psicanálise ou da psicologia, quando o profissional irá utilizar de um recurso chamado TCC (Terapia Cognitiva-comportamental).”, explica.
Priscila Tenenbaum, psicóloga, complementa: “Para tratar fobia, a melhor intervenção é a terapia cognitivo comportamental. Realizamos uma hierarquia de medos e programamos uma exposição gradual, sempre desenvolvendo coragem. E estratégias de manejo da ansiedade respiração e relaxamento para fortalecer a criança e torná-la corajosa”.
Para o canadense Pedro, de três anos, o medo é de dinossauros. “Eles mordem e sangram. Eu nunca vi um, mas tenho muito medo”, conta. Outro Pedro, desta vez com quatro anos, tem medo de pesadelos. “Eu sonho toda noite e tenho medo. No meu sonho o Thor estava triste, chorando e com medo do pesadelo”, explica.
Felipe, de seis anos, conta que lembra de filmes que assiste. “E a noite eu sonho e fico com mais medo. E eu acordo gritando e corro para o quarto da minha mãe”. Embora alguns relatos pareçam fofos, quando pensamos que partem de crianças, os pais devem sempre ajudar a enfrentar tais temores.
A psicóloga Priscila Tenenbaum diz que os pais devem acalentar a criança, sem acender a luz ou falar muito para não despertar totalmente. É bom identificar se a criança está acordada realmente ou se trata de terror noturno (que mais se parece com Sonambulismo de um certo modo e passa com a idade). Caso a criança queira, o pai deve ouvir o pesadelo e lembrar que o sonho é como um filme. Levar de volta a criança à cama e dizer que podem “trocar o canal” dos sonhos. “Sugerir que ela feche os olhos e se imaginar num lugar bem legal! Ou estimular a lembrar de coisas boas que aconteceram em seu dia”, enfatiza.
Paulo Velasco vai além: “É necessária a presença dos pais para dar provas ao fato de que ‘tudo não passou de um pesadelo’. Isso tem que ser dito à criança, mas, sobretudo, mostrado afetivamente, com beijinhos e “colinho”. Só assim, através do mimo, a criança consegue libertar-se do medo. A voz tranquila dos pais ajuda muito, mas, para isso, não podem pensar na noite interrompida, no trabalho do dia seguinte ou que já não vão dormir essa noite. Às vezes é preciso fazer uma vistoria no quarto, para ajudar a entender que não tem nenhum monstro escondido. E, finalmente, dizer-lhe carinhosamente: tiveste um sonho mau, mas foi só um sonho. Os pais também devem observar se o problema vai persistir por outras noites. Se assim continuar, recomendamos a psicoterapia para tentar aliviar a aflição.”, finaliza Paulo.