Aventuras Maternas

“Meu mundo paralelo” – a história da mãe de um menino com autismo grave

Mundo Paralelo“A primeira coisa de diferente que você percebe que é uma criança linda. O Bruno era muito bonzinho, perfeito aparentemente. Então, a princípio, você não percebe nada, só que depois você começa a observar, a notar alguns sinais diferentes.

A primeira coisa que você pensa é que seu filho é surdo, porque ele não se assusta como as outras crianças. Foi uma das primeiras coisas que me chamou atenção. Muito bonzinho, mas sorria muito pouco e as vezes parecia que não me enxergava, mas isso ele tinha exatamente 9 meses.

Eu tinha um livro chamado Dr. Lamare, que fala do desenvolvimento mês a mês dos bebês. E o Bruno não correspondia, não sentava, não ficava de pé, ele tinha uma flacidez  no corpo muito grande, foi outra coisa que observei na  época.

Começou uma via sacra de psiquiatra, neurologista, clínico geral. Acredito que os pediatras tinham que estar mais preparados, logo nos primeiros meses, para observar e identificar uma criança autista, porque, na minha opinião, o diagnóstico de autismo é fechado muito tarde, isso quando conseguem fechar. No meu caso, conseguimos fechar o diagnóstico de autismo com 3 anos de idade. Foi em Araçatuba, onde eu morava na época, e foi onde o Lucas, meu outro filho, nasceu.

No caso o Bruno, foi classificado como autista grave, de terceiro grau, altamente agressivo, e ele sempre foi agressivo. Receber um diagnóstico desse para qualquer mãe, mesmo para mim, que sempre tive uma mente aberta para observar, é difícil. Eu não sabia nem o que queria dizer sobre ter um filho autista porque não se falava muito na época. Lembro de ter ouvido falar pela primeira vez sobre o autismo quando eu tinha 14 anos, e assisti por três vezes um filme que falava a respeito. Parece que você já intui, sabe, que nasce com uma determinada missão na vida.

Os maiores obstáculos são a convivência, a aceitação dessas crianças, porque, na minha época, não tinha tratamento adequado para eles. Então, era muito complicado. Há 30 anos as portas estavam todas fechadas, não atendiam autistas. E essa foi uma realidade que me acompanhou a vida toda. Hoje, existe mais informação, se fala mais sobre o assunto.

A sociedade tem que ser inclusiva na vida dessas crianças, porque não é a criança que tem que ser inclusa e, sim, a sociedade no mundo dessas crianças especiais. E não apenas no mundo dos autistas.

Medo você tem de tudo, porque não pode deixar ele sozinho, porque a criança não tem noção de perigo. E o Bruno era muito agitado, agressivo com ele mesmo e com as pessoas em casa. Então, a minha convivência com ele foi extremamente difícil. E isso desestrutura toda a família. E também eu tinha o Lucas, não era só ele. Eu sofri muito.

Eu tive muitas oportunidades de ter algum lugar para internar o Bruno, mas não queria. Além disso, havia conseguido tratamento odontológico nas Casas André Luiz, que foi a área que encontrei maior dificuldade para encontrar tratamento para ele. Então, eu sou imensamente grata a esta Instituição que acolheu a mim e aos meus filhos e por tudo que via. É uma entidade que merece todo o meu respeito, sou muito grata por tudo que eles ainda estão fazendo pelo meu filho.

Hoje, o Bruno está com 33 anos. Ele já não come mais, está internado nas Casas André Luiz há 10 anos e lá tem tudo que você possa imaginar. São muitas crianças que eles atendem. E como ao longo da vida eu operei a coluna duas vezes, eu tenho algumas limitações. E se não fosse pela ajuda da Casas André Luiz para ficar com o Bruno, eu não sei o que teria sido da minha vida.

Além do autismo, quando o Bruno tinha 14 anos, manifestou-se a esclerose tuberosa. E foi ai que começou outra fase muito difícil, que manifestou em meus dois filhos e degenera órgãos vitais. Isso complicou, porque foram os meus 2 filhos para a cadeira de rodas. O Bruno usava fralda, desmaiava toda hora.

Resolvi, então, escrever livros. Ao longo daqueles anos, eu fui descobrindo tantas coisas que o Bruno tinha e eu percebi que eu não podia levar isso comigo, que tinha que deixar tanto para os profissionais quanto para mães essas informações que acumulei ao longo dos anos. Esse livro, o ‘Mundo Paralelo’, entrou como referência na área de psquiatria da Unicamp, ajudando com a minha vivencia de ter um autista  grave dentro de casa. A ideia de escrever o livro foi por causa disso. Eu era forte, ia atrás das autoridades, queria saber das leis, porque você enfrenta muito preconceito. Eu sempre defendi meus filhos, o que acabou ajudando muitas outras mães.

É muito gratificante saber que, mesmo devagar, a coisa está caminhando para frente. O que eu deixo para as mães é que elas têm que lutar, ir atrás, procurar um diagnóstico para os filhos, pois, infelizmente, as pessoas ainda têm muita dificuldade em lidar com tudo isso.

 

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Priscila Correia

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