Sempre lemos matérias que falam sobre como proteger nossas crianças de bullying, aquelas agressões normalmente praticadas por colegas de classe ou do condomínio. Mas isso também acontece com as mães. Sim, as mulheres, grávidas ou não, passam o tempo inteiro por situações constrangedoras que podem desencadear depressão, aumento da timidez, isolamento, falta de confiança, dentre tantos outros sentimentos negativos.
Por isso, essa semana, teremos uma especial sobre bullying materno. Para começar, conversamos com o médico clínico geral, especialista em medicina integrativa e psicólogo Roberto Debski para entender um pouco mais sobre o que se passa na cabeça dessas mulheres ao terem sua intimidade tão exposta, tão criticada, tão analisada por quem não é de direito. Nos dias seguintes, quatro mulheres vão contar como passaram por esse momento, o que pensaram, como reagiram e como enfrentaram essa realidade.
AM – É comum mães (grávidas ainda ou que já tenham tido seus filhos) relatarem sobre bullying que recebem?
Roberto Debski: O bullying pode acontecer em todas fases da vida, inclusive na gestação. As gestantes têm muitas dúvidas e incertezas. ‘Será que a gestação caminhará bem?’, ‘Será que o bebê nascerá com saúde?’, ‘Como será o parto?’, ‘Vou conseguir amamentar?’, ‘E a relação com meu companheiro sofrerá alguma alteração?’, ‘Vou dar conta de tanta mudança e obrigações?’. E o bullying acontece quando, além dessas cobranças internas, pessoas do convívio da gestante fazem cobranças, questionamentos, e colocam “obrigações” que deveriam ser seguidas, por serem “padrões” sociais, os quais supostamente essa mãe deveria sentir e agir. Dentre eles, a questão da gestação e da maternidade trazerem somente felicidade, bem-estar e alegrias, quando a gestante, principalmente na primeira gestação, tem tantas dúvidas, medos, insegurança, desconforto físico e modificação do funcionamento e da forma de seu corpo, alterando sua percepção, sentimentos e comportamentos. A gestante, então, se cobra, se culpa e se julga uma má mãe, por não sentir o que ditam os valores culturais, o que a sociedade impõe como “verdade” e única possibilidade.
AM – Quais as situações que as mães mais reclamam?
Roberto Debski: As gestantes sentem muito quando pessoas de seu convívio cobram que ela se sinta bem, preparada para tudo, com a obrigação de estar sorrindo e tranquila, quando muitas vezes ela pode estar com dúvidas, medos, incertezas, alterações físicas, e não ter com quem dividir sem julgamentos ou críticas.
AM – Por que as pessoas têm a mania de se meter na criação dos filhos de outras pessoas? Fale sobre isso.
Roberto Debski: É comum percebermos as necessidades, padrões, comportamentos e dificuldades das outras pessoas, e assim muitos se sentem no direito de criticar, sugerir e julgar, gerando mal-estar e mágoa nas relações. Quando é conosco, temos uma “cegueira emocional”, que nos impede de ver nossas próprias carências e incertezas, as quais não conseguimos perceber e se mantém veladas, pois causariam sofrimento e dor. Somente as pessoas que estão abertas ao autoconhecimento e ampliação de sua consciência conseguem suportar olhar para suas vidas, e perceber quantas dificuldades e pontos a melhorar. Faz parte da jornada da vida nos prepararmos e aprendermos cada vez mais e melhor, para superar obstáculos e crescer como pessoa. Mas se torna mais fácil enxergar o que acontece com as outras pessoas e famílias, e, a partir daí, dar receitas prontas, conselhos e fórmulas mágicas para os outros. Porém, devemos lembrar que quando apontamos o dedo para alguém, há três dedos apontados em nossa própria direção.
AM – Estamos vivendo em uma época onde todos têm muitas opiniões sem nenhum embasamento ou vivência. Como se diz comumente, ‘a internet deu voz aos imbecis’. Acha que essa ‘mania’ de dar opinião sobre a vida do outro é algo dos dias atuais ou sempre foi assim? Fale sobre isso.
Roberto Debski: Sempre houve e continuará havendo pessoas que têm as respostas prontas para tudo, soluções mágicas e que acham que sabem como resolver todas questões das outras pessoas. A diferença para os dias de hoje é que, com o advento das mídias e redes sociais, o alcance das opiniões das pessoas se ampliou exponencialmente. Qualquer pessoa pode postar, falar e opinar sobre qualquer assunto a qualquer hora, e “invadir” o espaço de outros, de maneira impensada, inconsequente e abusiva. Cabe a cada um, como adulto, aceitar o que quiser e achar válido, e não aceitar o que não quiser. Sempre será muito mais fácil olhar para os problemas dos outros do que olhar para nós mesmos e nossas próprias dificuldades.
AM – Críticas ou opiniões muito duras podem afetar o psicológico da mãe, especialmente em um período em que a mulher está tão frágil? Fale sobre isso.
Roberto Debski: Uma crítica pode ser construtiva e nos ajudar a pensar sob novas perspectivas e ideias. Por outro lado, saber lidar com as críticas destrutivas passa pela questão da resiliência, e pela capacidade de filtrar o que é digno de receber nossa atenção ou não. Uma crítica ou opinião de outra pessoa pode servir para que possamos refletir, quando assim o entendermos, ou para descartar quando a intenção do outro for somente julgar ou acusar de acordo com seus próprios critérios. Cabe a nós, como adultos, decidir. Uma mãe que se encontra frágil, e não consegue lidar com as críticas e julgamentos, pode vir a sofrer emocionalmente e desencadear ansiedade, estresse ou mesmo depressão.
AM – E afetar o corpo físico?
Roberto Debski: O sofrimento emocional pode causar alterações fisiológicas, da imunidade, e desencadear um transtorno fisiológico, até mesmo uma doença orgânica se não for tratado e abordado adequadamente.
AM – É possível para as mulheres se blindarem contra comentários maldosos? Como?
Roberto Debski: Podemos nos proteger de comentários, julgamentos e críticas de diversas maneiras. Primeiro, é importante que essa mãe não saiba nada a respeito, não fará diferença alguma. Como a intenção do outro é fazer com que se sinta mal, não tendo acesso a essa informação, o objetivo não será atingido. Por outro lado, o mais indicado é se fortalecer emocionalmente, trabalhar a aquisição e aprimoramento do grau de resiliência, e assim se tornar “imune” à críticas, maldades e outras formas de agressão.
AM – Existe algum tipo de exercício ou questionamento que essas mulheres devem fazer a si quando são criticadas para que não se sintam tão atingidas? Algo como “essa declaração, dessa pessoa, vai mudar a minha vida?”, ou “o que essa pessoa tem para acrescentar na criação do meu filho”?
Roberto Debski: Saber filtrar, discriminar e separar aquilo que é do outro e o que é meu, é uma maneira de se proteger de críticas destrutivas, infundadas e com a finalidade de agredir e causar mal-estar. Quando recebemos um presente de alguém, temos a prerrogativa de aceitá-lo ou não, e o mesmo vale para uma crítica, agressão ou o que quer que alguém queira nos oferecer. Se eu não aceito, aquilo continua sendo dela, não pode me atingir. Por trás de uma pessoa que precisa agredir e atingir outra, está alguém que se sente menor, inadequado ou sofre com ciúmes ou inveja. A pessoa que está bem consigo e com sua vida não precisará colocar ninguém para baixo para se sentir bem.
AM – Essas pressões de outras pessoas podem gerar a temida depressão pós-parto? Fale sobre isso.
Roberto Debski: O que vem de outras pessoas só tem o poder de nos atingir se o permitirmos, se estivermos frágeis ou nosso grau de resiliência for baixo. Se essa mãe se apresentar suscetível às agressões, aceitar e sofrer por isso, poderá desenvolver transtornos como a ansiedade, estresse e até mesmo a depressão pós-parto, dependendo de sua predisposição individual.
AM – Por falar em depressão, é comum grávidas passarem por depressão durante a gestação? Fale sobre isso.
Roberto Debski: O mais comum é uma gestante sofrer de ansiedade, estresse e insegurança. Porém, a depressão antes do parto também é uma possibilidade, dependendo de sua predisposição individual e prévia à este ou outro tipo de problema emocional.
AM – Como diferenciar a crítica positiva, daquela pessoa que realmente quer ajudar (mesmo que não tenha sido indagada), das pessoas que falam apenas para ‘cutucar’?
Roberto Debski: Nós conseguimos perceber a intenção de outra pessoa, se estivermos atentos e conscientes. Quando alguém faz uma crítica construtiva, sentimos que, apesar de discordarem de nós ou do que fazemos, o outro tem a vontade que as coisas melhorem e suas palavras são para o nosso crescimento e reflexão. Já uma crítica negativa ou alguém que quer nos prejudicar, transmite uma mensagem que nos incomoda e faz sentir mal, mesmo que disfarçada por palavras bonitas e enganosas.
AM – Para quem convive com grávidas, o que deve se evitar falar?
Roberto Debski: A gestação é uma fase delicada, na qual as incertezas, a ansiedade e o estresse estão em alta. Quando alguém quer ajudar uma gestante, deve procurar tranquilizá-la, apoiar, ajudá-la a sentir-se mais segura e pronta para as fases que virão a seguir, o parto, amamentação e cuidados com o bebê. Deve-se evitar criticar, julgar, dar “exemplos” do que não deu certo com outras pessoas e qualquer outra informação que aumente o grau de medo e incerteza dessa gestante.
Dr. Roberto Debski finalizou a entrevista dizendo que a gestação é um período de grande aprendizagem e oportunidade de vivenciar o amor em sua plenitude. O ideal é que o casal permaneça próximo, unido e compartilhando suas experiências e sentimentos. Ter um filho é levar adiante a família, e é uma escolha que deve ser feita com responsabilidade, respeito e amor. Um casal está pronto para ter um filho quando o excesso de amor na relação transborda e se manifesta na figura desse filho, ampliando ainda mais essa relação. Ter um filho para outras finalidades, como preencher vazios na relação, para que cuide um dia dos pais, para que faça algo que eles não puderam fazer, para que cumpra o projeto destes, ou outras ideias, é não olhar para esse filho, para suas necessidades e sua vida, o que trará consequências e sofrimento em algum momento futuro.