No Brasil, o fechamento das unidades educativas por conta da pandemia de coronavírus afetou 8,9 milhões de bebês e crianças de 0 a 5 anos. Para entender o efeito dessa medida no aprendizado das crianças, os pesquisadores Mariane Koslinski e Tiago Bartholo, do Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais (LAPOPE), da Universidade Federal do Rio De Janeiro (UFRJ), lançam o inédito “O impacto da pandemia do COVID-19 no desenvolvimento das crianças na pré-escola”. Apoiada e financiada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, o estudo foi divulgado hoje, 07/10, durante o IX Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância.
No total, a pesquisa acompanhou o desenvolvimento de 671 crianças matriculadas em 21 escolas da rede conveniada e privada da cidade do Rio de Janeiro. Dessas, 460 frequentaram o segundo ano da pré-escola em um contexto de normalidade em 2019, e 211 crianças frequentaram o segundo ano da pré-escola em 2020, em um cenário pandêmico. Para chegar aos resultados, todas as crianças participaram de testes individuais, em dois momentos, que permitiram medir o desenvolvimento delas ao longo dos respectivos anos letivos.
Os resultados sugerem impactos em diferentes dimensões do desenvolvimento infantil. Entre os principais dados, o estudo observou que o fechamento das escolas afetou o aprendizado das crianças. As crianças se desenvolveram em um ritmo mais lento, o que significou uma perda de até quatro meses no desenvolvimento delas em linguagem e matemática, se comparado com o desenvolvimento das crianças em 2019. O impacto é maior do que o observado em pesquisas internacionais – em geral perdas de 2 a 3 meses.
As crianças que vivenciaram o segundo ano da pré-escola em 2020 aprenderam 66% em linguagem e 64% em matemática, quando comparadas com as crianças que frequentaram a mesma etapa em 2019. As crianças de nível socioeconômico mais baixo aprenderam ainda menos – aproximadamente 49% para linguagem e 47% para matemática, comparadas com as crianças que tiveram a oportunidade de frequentar a pré-escola com atividades presenciais.
A pesquisa demonstra que, ao final do ano letivo em 2019, 60,1% das crianças eram capazes de identificar números de dois dígitos e fazer contas mais simples. No grupo de 2020, apenas 50,6% das crianças desenvolveram a habilidade.
Olhando para o desenvolvimento da linguagem, ao final de 2019, aproximadamente 60% das crianças foram capazes de identificar 18 letras apresentadas em um caderno ilustrado. Em 2020, apenas 45% das crianças foram capazes de identificar o mesmo conjunto de letras. Na parte de vocabulário, em 2019, 56% das crianças acertaram 20 itens (o que seria equivalente a 90% do teste). Somente 43% das crianças em 2020 alcançaram o mesmo resultado. Em 2019, a maioria das crianças (aproximadamente 77%) no final da pré-escola era capaz de identificar onde a escrita começa em um livro e conseguia fazer distinção entre texto e imagem. Já no grupo de 2020, 60% das crianças terminaram a pré-escola com as mesmas habilidades desenvolvidas.
“Os dados da pesquisa reforçam o papel central da educação infantil no desenvolvimento e bem-estar das crianças. As crianças que vivenciaram o segundo ano da pré-escola no ano de 2020 aprenderam em um ritmo mais lento. Os resultados podem ser explicados pelas características das atividades remotas que limitam as brincadeiras e as interações criança/professor e entre as crianças, as oportunidades de aprendizagem em casa, assim como, o tempo total de interrupção das atividades presenciais nas escolas”, explica Tiago Bartholo, professor da UFRJ e coordenador da pesquisa.
A pesquisa procurou entender também se houve impacto na aptidão física e habilidade motora das crianças. Comparando os dois grupos estudados (2019 e 2020), foi possível perceber um crescimento de 14% de crianças que deixarem de realizar movimentos simples de sentar e levantar do chão sem necessidade de um apoio ou apresentaram desequilíbrio. “Diminuição das atividades físicas realizadas na escola, mudanças na rotina impostas pela pandemia e o aumento do tempo sedentário em tela podem explicar os resultados descritos”, conta Bartholo.
Aumento das desigualdades
Mas não é só isso. O levantamento buscou responder quais os efeitos da interrupção das atividades presenciais nas desigualdades de aprendizagem. Sob essa perspectiva, os resultados sugerem que a desigualdade entre as crianças de diferentes níveis socioeconômicos aumentou. Há uma diferença equivalente de até 2 meses de aprendizado entre as crianças de nível socioeconômico mais alto e mais baixo.
“Crianças em situação de maior vulnerabilidade social foram mais fortemente impactadas e aprenderam em um ritmo mais lento do que seus pares. Por isso, o primeiro passo a ser dado é a realização de um diagnóstico para identificar quais crianças experimentaram menores oportunidades de aprendizado durante o fechamento das escolas para atividades presenciais. Em seguida, elaborar um plano individual de aprendizagem para apoiar o desenvolvimento das crianças, priorizando as mais vulneráveis e mais afetadas pela pandemia. O foco no retorno deve ser no acolhimento, bem-estar, readaptação à escola e socialização da criança”, completa Mariane Koslinski, também professora da UFRJ e coordenadora do estudo.
Em uma perspectiva segmentada por escola, os resultados apontam que as crianças matriculadas nas escolas de nível socioeconômico mais baixo aprenderam um pouco menos da metade, se comparado com o grupo que frequentou a escola em 2020. Já as crianças matriculadas nas escolas de nível socioeconômico mais alto aprenderam aproximadamente 75%, se comparado com o ganho do grupo de 2019.
O IX Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância é uma iniciativa do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI). Para mais informações acesse: https://simposioncpi.com.br/
Informações: Assessoria de Imprensa.