Aventuras Maternas

O que é a Depressão Pós-Parto? E por que é importante tratar o assunto sem rodeios?

dppEla atinge milhões no mundo inteiro, mas muitos nem sabem que têm a doença. Silenciosa, solitária e avassaladora, a depressão é um mal que a sociedade ainda não sabe como tratar, identificar e, acima de tudo, respeitar. E, ao contrário do que alguns acreditam, ela mata. Além disso, não escolhe idade, sexo, etnia, nem condição, atingindo, inclusive, as recém- chegadas à maternidade.

A literatura médica estima que o problema atinja entre 10 e 15% das novas mães. Entretanto, não há como precisar esse número já que muitas nem chegam a relatar o que sentem ou confundem com o chamado baby blues, nome que refere-se à melancolia e sensação de tristeza passageiras que várias mães vivenciam no pós-parto, devido às alterações hormonais bruscas.

O médico e professor Mario Louzã, psiquiatra e psicanalista, explica que os sintomas da depressão, em geral, iniciam nos primeiros dias ou semanas após o parto, mas podem começar mesmo antes, no fim da gestação. “Os sintomas são similares aos da depressão fora do ciclo gravidez-puerpério, com tristeza, desânimo, apatia, ideias de culpa ou desesperança, insônia etc. Nos quadros mais graves, podem ocorrer pensamentos de tirar a própria vida , havendo também o risco de infanticídio (felizmente raro). A frequência de ideação suicida é de cerca de 2% nos primeiros 6 meses pós-parto.”, conta.

Mas o que leva algumas mães a terem a depressão pós parto e outras não? Louzã diz que a DPP, como chamam, depende da interação de vários fatores, incluindo a predisposição genética, as alterações hormonais que ocorrem durante a gravidez e no pós-parto, e fatores sociais e culturais, além do estresse natural da maternidade. Mônica Cardoso, psicóloga clínica e psicanalista, diz, ainda, “que podem relacionar-se à depressão pós parto a ocorrência de parto prematuro e as repercussões da prematuridade; estado de não-saúde do bebê; período gestacional conturbado; traços de personalidade e eventos traumáticos vivenciados pela mãe; relação mãe/filha conflituosa, ausente ou com histórico de abusos e violência; além de fatores culturais e gravidez não planejada ou não desejada.”.

Sobre tentativas de suicídio que às vezes as mães cometem, Sylvia Caram, psicóloga clínica e psicanalista, explica que, a persistência do quadro do blues para além das primeiras semanas ou mês de vida do bebê pode intensificar um quadro depressivo, levando à depressão pós-parto ou puerperal. Diante do receio de não serem aceitas, as mães geralmente evitam expor o assunto, o que torna a situação ainda mais difícil. A mãe precisa entrar em um estado regressivo de identificação com o bebê para atender às necessidades deste, caracterizando o conceituado “estado de preocupação materna primária”.

Mas tal estado também aumenta a vulnerabilidade para lidar com as transformações no próprio corpo e com a nova posição na família, na qual deixa de ser filha para ser mãe. “Este cenário pode desencadear a depressão pós parto, com comprometimento da autoestima materna, da capacidade de concentração e da capacidade de amar. Outras características apresentadas são perda de prazer e interesse em atividades, variações de peso e apetite, alterações no sono, sentimentos de culpa ou inutilidade e dificuldades na tomadas de decisão. O sentimento de culpa pode levar a ideação suicida (pensamentos de morte) e ao humor deprimido e irritável. Afecções psicossomáticas como dores de cabeça, hemorragias, fissuras mamárias, dificuldades na lactação, entre outras, também são comuns. Quadro mais intenso e grave se desenvolve quando a separação mãe/bebê não se realiza, ou seja, quando a mãe não se dá conta do corte do cordão umbilical, levando à psicose puerperal. Tendo início rápido, os sintomas geralmente surgem em torno dos primeiros dias até duas semanas do pós-parto. Apresenta sintomas como euforia, humor irritável, agitação e insônia. Em sua continuidade, surgem, então, os delírios, as alucinações, as ideias persecutórias, a confusão mental, a desorientação, o comportamento desorganizado e a despersonalização. Tais sintomas, associados ao repúdio ao bebê, podem levar ao suicídio da mãe ou ao infanticídio. Neste último emergem ideias delirantes com o bebê, entre elas as de que o bebê é um deus ou um demônio, de que possui poderes especiais, ou ainda de que este está morrendo ou possui algum defeito.”, complementa.

O bebê idealizado ao longo da gestação, nem sempre corresponde ao real e muitas mães se culpam e sentem-se frustradas quando percebem que não estão felizes com o nascimento do filho. “Apesar da vivência da maternidade ser distinta para cada mulher, algumas vezes, a fragilidade psicológica é mais acentuada em algumas, principalmente aquelas com histórico pessoal e/ou familiar de algum transtorno como a psicose. Nestes casos, pode ocorrer perda do senso de realidade, delírios e alucinações, caracterizando risco de vida para a mãe e para o bebê. São comuns nestes quadros pensamentos homicidas em relação ao filho, mesmo que projetados em outros, como o medo que matem ou sequestrem seus nenéns. Muitas mulheres relatam uma sensação de ímpeto de jogarem seus filhos pela janela, ou no chão com violência. Porém, são pensamentos acompanhados de muita angústia e terror.”, complementa Mônica.

Mãe conta como lidou com a Depressão Pós-Parto e venceu a doença

Kamila Neto Garcia de Souza, assessora de imprensa e empresária, mãe de Helena, com 04 anos, conta que o parto da filha foi muito tranquilo, com uma cesariana programada. Kamila conta que, após voltar para casa, logo na primeira semana, percebeu que havia alguma coisa errada, pois não conseguia gostar da filha. “Ficava apavorada cada vez que ela chorava. Só pensava que minha vida tinha acabado. Todo mundo dizia que era normal, mas eu sempre soube que a minha falta de afeto era séria.”, descreve. Ela conta que, quando olhava a filha, não sentia nada, mas tinha vergonha de dizer o que estava sentindo. A procura por um profissional, no caso dela, só aconteceu após a tentativa de suicídio. “Estava com minha filha em casa um dia à tarde e já não suportava mais aquela vida de cuidar de filho, achava tudo chato. Peguei uma cartela de calmante tarja preta que tinha em casa. Minha filha, na época com três anos, viu que estava estranha, pegou meu telefone, foi no whatsapp do pai e avisou que eu estava passando mal por áudio. Como morava perto do trabalho do meu marido, ele veio imediatamente para casa. Essa foi a primeira tentativa.

Depois disso, comecei a me tratar, mas não levei muito a sério o tratamento. A segunda foi após uma festa de natal. Cheguei em casa muito mal, me sentindo uma péssima mãe, porque a pior coisa para quem sofre com a depressão é a comparação com outras mães ou comentários do tipo “nossa, sua filha toma mamadeira ainda?”, “Nossa, sua filha está pirracenta” etc. Tomei duas cartelas do mesmo calmante. Dessa vez, fiquei mal, em coma, acordei no CTI de um hospital. Quando me vi naquela situação, fiquei apavorada e decidi que iria me libertar daquela depressão. E assim fiz, comecei a não faltar mais as terapias. Levei meu tratamento muito sério e em seis meses recebi alta.”, comenta. Essa alta foi há dois meses, em julho deste ano.

Após o que passou, Kamila conta que não quer ter mais filhos, pois não se sente segura emocionalmente para isso. Lonzã explica que mulheres que tiveram DPP podem tê-la novamente numa gestação subsequente. “Assim, nestes casos, já se pode intervir precocemente, assim que os primeiros sintomas se manifestam. Mulheres com histórico de depressão, em qualquer momento da vida, têm também um risco aumentado de terem DPP.’, afirma.

Vale lembrar que o suporte da família é fundamental. As pessoas que têm mais contato com a mãe podem ajudar a identificar o problema, diferenciando-o do período baby blues, caso esse desanimo e tristeza intensa e continua se prolonguem por mais de alguns dias ou semanas sem melhora. “É comum que as mães tenham o ‘blues’ no pós-parto. Ficam mais tristes, com choro fácil, seu humor oscila, tem um hiper-reatividade emocional. Este quadro dura pouco tempo. Se a depressão se prolonga, se a mãe se mostra apática, triste, as vezes desinteressada do recém-nascido ou tendo que fazer um esforço grande para cuidar dele, estes podem ser indícios de DPP.”, pontua Mario Louzã.

Quanto ao tratamento, diz Lonzã, é ideal que comece o quanto antes, pois, quanto mais rapidamente o quadro for tratado, mais depressa a mãe se recupera. “A DPP costuma ser tratada com medicação antidepressiva. Sabe-se que, nestes casos, o fato de a mãe estar deprimida acaba prejudicando o cuidado com a criança. Assim, a intervenção terapêutica não deve demorar. Complementando a medicação, a psicoterapia pode auxiliar a mãe a lidar com as dificuldades e responsabilidade recém-adquiridas com a chegada no bebê.”, comenta. Além disso, dependendo da gravidade do quadro depressivo, muitas vezes as mães precisam de ajuda para cuidar da criança, para alimentá-la etc.

É importante enfatizar que, embora seja uma doença que precise de tratamento, há recuperação definitiva. “As mães devem compreender que a depressão pós-parto é uma doença como outra qualquer que pode ser tratada, levando à recuperação total da mãe.”, complementa o médico. E para as mulheres que estão passando por isso, um conselho de Kamila: “Se abra com seu companheiro ou com alguém que possa te ajudar. Tive muita vergonha e sofri por não me abrir e falar o que sentia. Ao contrário do que pensamos, a depressão pós parto é normal e atinge muitas mulheres que sofrem caladas. A sociedade impõem a gente um padrão perfeito de maternidade e isso não existe. Cada mulher dá o melhor de si para os filhos”, finaliza.

 

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Priscila Correia

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