Por Diana Serpe, advogada que atua nas áreas de Direito de Saúde e Direito da Educação, e criadora do Autismo e Direito, com perfis nas redes sociais (Instagram e Facebook) que visam informar o público sobre as questões legais referentes à pessoa autista e seus familiares.
Em maio de 2020, quando o mundo ainda nem suspeitava de que a pandemia atravessaria a barreira do Reveillon, a Academia Americana de Pediatria publicou orientações para a reabertura de escolas, com enfoque num grupo especial: as crianças com algum tipo de deficiência. O documento apontava para o fato de que alunos com deficiência podem ter mais dificuldade com os aspectos sociais e emocionais da transição para fora do ambiente escolar e na volta a ele. E recomendava que as escolas desenvolvessem um plano que garantisse um programa de educação individual, ajustando as medidas compensatórias a cada aluno, levando em conta as dificuldades de aprendizado, deficiências e outras particularidades.
A lacuna de aprendizado deixada pela pandemia já é um desafio em si, mesmo considerando crianças e jovens sem deficiência. As aulas on-line e as ferramentas implementadas às pressas pelas escolas não foram suficientes para suprir um distanciamento tão prolongado – que no Brasil durou quase um ano letivo inteiro. No caso das crianças e dos jovens com deficiência, a falta de entrosamento com os colegas é ainda maior, sem contar a perda do vínculo com a escola, o desinteresse em participar das atividades, o desconhecimento dos conteúdos trabalhados e a dificuldade adicional dos pais – que não possuem preparo técnico – de orientarem seus filhos em casa. O resultado é que a inclusão, que já não ocorria como deveria na educação brasileira, parece ter sido negligenciada.
A pá de cal veio com o Decreto nº 10.502, instituindo a Política Nacional de Educação Especial, numa tentativa do Governo Federal de desfazer avanços que ainda estão em construção, mas que significam um marco para a inclusão de pessoas com deficiência em escolas. Sob protestos e vaias, o texto propunha a recriação de escolas e/ou classes especiais para os alunos com deficiência, forçando um claro movimento de rejeição a essa população. Atuando mais uma vez como o salvador da pátria dos direitos constitucionais, veio o Supremo Tribunal Federal (STF) a coibir abusos e revogar o decreto.
A decisão, que inicialmente veio como uma liminar do ministro Dias Tóffoli e que depois foi confirmada por votação do plenário por 9 a 2, soou como uma reparação às famílias de crianças com deficiência, e como um sinal de que nem tudo está perdido em 2020, ano que ficou marcado como aquele que escancarou as desigualdades.
A esperança, agora, é a vacina. Não apenas no Brasil, mas no mundo. Por aqui, as escolas não reabriram nem mesmo com o recuo dos números de casos e mortes, até porque não tivemos a chance de viver o fim de uma primeira onda de coronavírus. Experimentamos a estabilidade, seguida de um aumento de casos preocupante, que reforça o coro de que não iniciaremos o novo ano letivo com aulas presenciais. No máximo, teremos um modelo híbrido.
Nesse contexto, há que se privilegiar posturas inclusivas que garantam que todas as crianças, sem exceção, tenham o direito de participar das atividades propostas pela escola, sejam presenciais ou remotas. Isso inclui uma série de iniciativas que precisam ser pensadas, pelo poder público e pelos entes privados, num plano nacional.
As aulas em vídeo, por exemplo, devem contemplar recursos de acessibilidade como áudiodescrição, tradução em Libras e closed caption. O acesso à Internet precisa ser garantido, com prioridade, para aquelas famílias que, além de não possuírem recursos, contam com crianças especiais em idade escolar. Os professores, igualmente afetados pela pandemia, precisam ter acesso a treinamentos especializados que favoreçam a troca de experiências e criação de estratégias para enfrentamento das dificuldades do aprendizado de crianças especiais. Além disso, os pais precisam ser apoiados, para que não se sintam solitários nessa guerra.
De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 46 milhões de brasileiros possuem alguma deficiência mental ou física. Desse universo, não há um número preciso sobre a porcentagem de pessoas que estão em idade escolar. Mas os últimos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), relativos a 2018, dão conta de que 1,2 milhão de alunos com deficiência estavam matriculados em escolas no país – informação que certamente deixa de lado crianças e jovens que não possuem acesso algum a qualquer tipo de formação educacional.
A despeito da subnotificação, uma população na casa do milhão, formada por crianças e jovens que compõem o futuro dessa nação, não pode ser ignorada. Nem mesmo numa situação de pandemia. Coronavírus não é desculpa para a exclusão.
Informações: Assessoria de Imprensa.